Paraná Clube mergulhado num mar de lama

Thiago Neves era visto como uma ?jóia rara? nas categorias de base do clube. Meia, canhoto e de grande habilidade, apontado como um craque, que rivalizaria com outros garotos revelados pelo Paraná Clube, como Lúcio Flávio e Ricardinho. Porém, seu estilo ?bad boy? virou um obstáculo para o sucesso no clube. Foi precocemente negociado, mas volta a estampar as manchetes do Tricolor.

A cobiça em torno de seus direitos econômicos foi o pivô da maior crise política do clube, que culminou com o afastamento, agora definitivo, do presidente José Carlos de Miranda. Um imbróglio sem precedentes, em uma história que envolve negociatas, documentos de origem duvidosa e muito dinheiro. Gravações de ações ilícitas do comandante do clube (em um DVD que segue trancado a sete chaves, num cofre qualquer) foram o estopim de uma página negra na história do Paraná.

O problema só surgiu agora, devido à supervalorização de Thiago Neves. Isso acirrou a disputa entre LA Sports e Systema, as empresas que detêm dos direitos econômicos do atleta. Sim, por que o Paraná Clube, onde o jogador segue federado, servia apenas de ?cabide? para os empresários. A tensão veio à tona agora, mas ao revirar a documentação do atleta, irregularidades foram detectadas. No final de 2005 o meia foi cedido ao Vegalta Sendai por empréstimo, num valor de US$ 400 mil. Era o que todos no clube sabiam.

No início deste ano, o meia retornou do Japão, onde não emplacou, e foi cedido ao Fluminense, novamente por empréstimo. Alguns meses depois, o Paraná vendeu os 20% dos direitos do atleta (12% à LA e 8% à Systema) em troca de dívidas com as partes. No entanto, agora, descobriu-se que, antes disso, o presidente Miranda, sem o conhecimento de outros pares de diretoria, já havia vendido o restante do atleta (30% do clube e 30% da LA) à Systema, do empresário Léo Rabelo. Assim, hoje, Léo Rabelo é o majoritário, com 68% do atleta, contra 32% de Luiz Alberto Martins de Oliveira Filho.

Irregularidades que estavam sendo apuradas pelo clube discretamente. Mas, diante de novas denúncias e da admissão de culpa de Miranda (que revelou ter recebido cheques da LA, que não eram contabilizados no clube), o Conselho Deliberativo convocou sessão extraordinária para o próximo dia 30, quando será constituída uma comissão especial de investigação. A mesma será formada por dois integrantes de cada um dos conselhos do clube, deliberativo, diretor e normativo. Segundo o presidente do deliberativo, o prazo de investigação será de um mês. A partir do relatório, o conselho definirá o caminho a ser tomado em relação ao presidente afastado José Carlos de Miranda.

Além de Thiago Neves, a negociação de Eltinho também está sob suspeita

Valquir Aureliano
O ala foi negociado pelo mesmo trio, Miranda, Rabelo e Luiz Alberto.

Independente do resultado das investigações, é certo que Thiago Neves já não pertence mais ao Paraná Clube. Por orientação do Conselho Normativo, após analisar toda a questão detalhadamente, a diretoria foi aconselhada a sequer manter o vínculo do atleta. Como está no Fluminense por empréstimo, os direitos federativos do jogador seguem atrelados ao Tricolor.

?Toda a documentação mostra que o jogador foi vendido. Então, temos é que repassá-lo a quem é de direito?, disse Ocimar Bolicenho, presidente do Normativo. ?Se há irregularidades, ou não, é outro assunto. Mas não há base legal para o Paraná pleitear qualquer coisa. O melhor a fazer é intimar os verdadeiros donos do atleta para que definam para qual clube devemos encaminhar a transferência?, justificou.

A postura de ?se livrar? de Thiago Neves é uma medida para evitar que no futuro alguma das partes envolvidas tente questionar o Paraná Clube sobre assuntos relativos a um atleta que não mais pertence ao Tricolor. Por força de um contrato assinado por Miranda, por exemplo, caso o Paraná se recuse a liberar o atleta para o clube determinado pela empresa Systema, a multa é de R$ 6 milhões. ?O jogador foi negociado. Então, não temos que ficar com seu registro no clube. O Thiago Neves é passado para o Paraná?, disse Bolicenho.

O destino do jogador, assim, fica nas mãos de Léo Rabelo, que optou por acertar com o Fluminense. Paralelamente a isso, a LA Sports negociava com o Palmeiras, com quem assinou um pré-contrato. No entanto, a questão Thiago Neves pode não ser única. Comenta-se que a situação do ala Eltinho é muito parecida, coincidência ou não, inclusive com a participação do mesmo triângulo, Miranda, Rabelo e Luiz Alberto.

Descanse em paz!

?Melhor é me esquecerem. Estou morto para o Paraná Clube e para o futebol.? Em tom melancólico, José Carlos de Miranda confirmou o fim de seu mandato e de sua vida política no clube. O presidente afastado admitiu erros, mas se diz vítima de chantagem. ?Fui pego no fogo cruzado entre empresários. Dinheiro é coisa do demônio?, disparou.

Coincidência ou não, foi o ?vil metal? que determinou a queda de Miranda. A gravação original sequer foi apresentada, mas a simples existência desse material fez o dirigente admitir que recebeu dinheiro da LA Sports e que o mesmo não passou pela contabilidade do clube. ?Posso não ter sido ético. Mas, não desviei valores do Paraná, não?, garantiu.

De herói a vilão em poucos meses, Miranda contou que esse dinheiro era destinado ao pagamento de gorjetas, bichos e à sua campanha de reeleição. ?No futebol e num clube como o Paraná, tem muita coisa que não passa pelo caixa?, disse Miranda, lembrando que a premiação de atletas, nos jogos, normalmente advém de doações de conselheiros, dirigentes e até empresários ligados ao clube. ?É uma prática normal?, defende-se.

?Mas nem quero mais falar sobre isso. Já fui achincalhado de todas as formas. Melhor é ficar quieto e seguir a minha vida?, disse. Miranda não pretende buscar a defesa de sua honra e garante que só falará sobre esses assuntos caso venha a ser interpelado judicialmente. ?Só quero descansar e, com esse afastamento, deixar que o Paraná siga sua vida e consiga reverter o quadro atual?, declarou. ?Já caí. Era o que queriam e está feito.?

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