Fifa põe em jogo sua credibilidade e futuro das Copas

Nesta quinta-feira, a Fifa e o governo brasileiro realizam em São Paulo sua última

reunião de cúpula antes da bola rolar, com um agenda atolada de problemas e

definições em relação à segurança, estádios e transporte dos torcedores. Mas,

acima de tudo, o que dirigentes e políticos sabem é que o que estará em jogo neste

Mundial é a credibilidade da entidade e, principalmente, o futuro da Copa do Mundo.

Cartolas, funcionários da Fifa e especialistas do Comitê Olímpico Internacional (COI) consultados pela reportagem alertam que o Mundial no Brasil será decisivo para o destino dos grandes eventos esportivos mundiais. É verdade que os torneios de 2018 e 2022 já estão selecionados e as obras já começaram. Mas o impacto de uma manifestação importante no Brasil ou da derrota eleitoral de políticos associados ao custo da Copa pode ser importante, inclusive em termos financeiros.

Dirigentes do alto escalão da Fifa confirmaram que a entidade está “preocupada” com o que o Mundial pode representar na história dos megaeventos esportivos. “Há um simbolismo forte quando o mundo vê que o país do futebol questiona a Copa do Mundo”, admitiu à reportagem um dos oito vice-presidentes da Fifa.

Não por acaso, Joseph Blatter tem declarado em público e em privado que a Fifa e o governo brasileiro estão “no mesmo barco”. Ou seja, se o evento for permeado por problemas, tanto a imagem do Brasil quanto da Fifa sofrerão.

Michel Platini, presidente da Uefa, também deu claras demonstrações dessa preocupação. Em declarações há duas semanas, ele pediu que os brasileiros “esperem até depois da Copa” para protestar. À reportagem, ele confessou que o impacto para a imagem do Mundial seria profundo.

O temor é de que, diante de protestos e de resultados negativos para políticos, a

Fifa e o COI sofram a partir de agora para encontrar um país democrático que queira sediar esses eventos.

Francois Carrard, um dos pilares do COI durante décadas e responsável pela preparação dos Jogos Olímpicos, chega a ser radical em sua avaliação. “Será que

ainda precisamos de estádios no século XXI?”, questionou. “Os estádios foram

criados quando ainda não existiam transmissões e nem a tecnologia. Os atores

precisavam galopar em um estádio para serem vistos. Mas hoje precisamos nos

perguntar: porque precisamos de estádios?”, disse. “Que herança queremos de um

evento? Queremos uma Pompeia do esporte?”, questionou.

IMPACTO – A realidade é que, nos últimos meses, os protestos no Brasil e as críticas em relação aos gastos públicos já começaram a contaminar outras candidaturas para receber os grandes eventos esportivos mundiais.

Há uma semana, o prefeito de Nova York, Joe de Blasio, anunciou que estava engavetando o projeto de concorrer para receber os Jogos Olímpicos de 2024, alegando que a cidade tinha “outras prioridades de desenvolvimento” e que os custos associados ao evento poderiam distrair os planos para Nova York.

A Federação de Futebol dos Estados Unidos alertou que gostaria de abrigar a Copa de 2026. Mas apenas se recebesse uma confirmação da Fifa de que o processo de seleção das sedes seria mudado. Os norte-americanos não querem passar mais pelo vexame de serem derrotados pelo Catar, como aconteceu em 2022, em meio a suspeitas de compras de votos.

Na Noruega, o governo local anunciou que estava enterrando o projeto de lançar Oslo como candidata para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022. O motivo: o custo excessivo do evento e as exigências consideradas como “descabidas” do COI.

Denis Oswald, membro do COI, admite que a Fifa e sua própria entidade vivem

momentos delicados diante do questionamento em relação aos megaeventos e que o Brasil é o símbolo dessa discussão. “Há um medo no meio político e da parte do

público em relação aos custos dos grandes eventos esportivos”, disse. “O Rio de

Janeiro alimenta essa polêmica”, confirmou. “É verdade que esses eventos custam caro e são realizados por pouco tempo e existe o debate se governos são irresponsáveis ao jogar fora dinheiro público”, disse.

Mas ele lembra como cidades como Barcelona em 1992 e Londres em 2012 “não se

arrependem” e defende que o investimento “é justificado” se for bem organizado.

As multinacionais que pagam milhões de dólares para patrocinar os eventos também estão de olho no que vai acontecer no Brasil. Até hoje, ter sua marca associada à Copa ou aos Jogos Olímpicos eram um ponto positivo. Hoje, pela primeira vez, essas multinacionais estão refazendo seus cálculos para avaliar o impacto.

Durante a Copa das Confederações, algumas delas pediram para seus comerciais na TV serem retirados, enquanto outras marcas arrancaram seus cartazes dos carros oficiais da Fifa.

Nas contas internas da Fifa, os próximos quatro anos verão um aumento na renda de 25%, com a previsão de que a Copa na Rússia gere US$ 5 bilhões em receita. Mas uma confirmação dessa previsão ainda depende do que vai ocorrer fora de campo no Brasil.