Felipão desabafa:

Felipe Scolari estava suado, cansado, mas com indisfarçável ar de alívio, ao deixar o estádio Munsu, onde fez sua estréia em Mundiais com a seleção. Logo depois de passar pela “barreira” de jornalistas, no caos que se costuma chamar de “zona mista”, o treinador se aproximou de um de seus assessores, o abraçou e sussurou. “Graças a Deus, deu tudo certo.”

A alegria do treinador, no entanto, não impediu que desse dois puxões de orelha no time, ao mesmo tempo em que distribuiu afagos. As broncas, leves em público, foram para os zagueiros e para os atacantes. Os primeiros mereceriam a repreensão porque nem sempre “agem como zagueiros”, ou seja, nem sempre despacham a bola para bem longe da área. “Ainda espero ensiná-los a jogar como beques”, insistiu, um mote que usa há muito tempo.

Os outros por terem desperdiçado oportunidades demais no primeiro tempo. “E por preciosismo”, emendou Felipão. “Houve momentos em que eles criaram, mas queriam fazer o gol com um toque a mais e isso não deu certo.” Mas as restri-ções nem de longe tiveram tom amargo. Felipão acha que é “fácil” corrigir esses defeitos e viu aspectos positivos no desempenho da equipe. A começar pela marcação, detalhe tático que lhe é tão caro, mas responsável por grande parte das críticas que recebe.

“Tivemos uma marcação razoável, o que não é comum, e isso me deixou satisfeito”, admitiu. “Também gostei do poder de recuperação do time no segundo tempo.” Depois de a seleção sofrer o gol no fim da etapa inicial, Felipão chegou a ficar preocupado com a reação dos jogadores. Mas mudou de idéia perceber que havia relativa serenidade nos vestiários. Tratou, então, de analisar com o grupo onde era preciso mexer e festejou quando veio o gol de empate. “Porque surgiu logo no início e isso foi decisivo”, disse. “Tivemos, na seqüência, tempo para trabalharmos para chegar à virada no resultado.”

A Turquia jogou segundo suas previsões. A marcação forte, os espaços curtos eram dificuldades que esperava encontrar. “Falei muitas vezes que não teríamos um rival fraco”, relembrou. “E não estava errado. Eles têm força e qualidade, e além disso saíram na frente no marcador.” Só não espera que o sufoco se repita nas rodadas seguintes. “Os jogadores sentiram como é difícil ficar em desvantagem em um Mundial.”

Não muda

Felipão não pretende mudar no time – se mantiver as observações que fez no calor da hora, ainda eufórico com o resultado. Embora Denílson tenha, mais uma vez, entrado para mudar a equipe, a tendência é a de que continue como opção para o segundo tempo. Ronaldinho Gaúcho, com atuação abaixo do esperado, continua com a preferência. “Em princípio, não mexo no time”, garantiu. “Mas até o jogo com a China, temos tempo.”

O treinador só não esperava mais de Ronaldo. O craque da Internazionale saiu aos 27 do segundo tempo porque cansou. “Ele jogou conforme o que esperávamos”, frisou. “No momento, tem condições para 70, 75 minutos. Nesse tempo, se comportou muito bem.” A entrada de Vampeta no lugar de Juninho Paulista teria sido por “questões táticas” apenas.

Ricardinho chega hoje, mas Felipão avisa que não sabe quando poderá aproveitá-lo. O meia do Corinthians passará por avaliação médica e física, e fica como alternativa, provavelmente apenas para o jogo com a Costa Rica. “Não devemos precipitar nada”, recomendou. “O Ricardinho está chegando agora e serve como opção tática. Ele terá tempo para adaptar-se. “O mais importante, no momento, é curtir a vitória. Mesmo assim, com moderação. “Não podemos nos empolgar demais”, adiantou Felipão, cauteloso. “De qualquer forma, é bom sentir que o torcedor acredita em nosso trabalho. Isso dá força para seguir adiante. Para mim e para os jogadores.” De preferência, sem que seja necessário repetir o sufoco desta segunda-feira.

Joo Kim garante a vitória

O talento de Ronaldo e Rivaldo, a malícia de Luizão e uma trapalhada do árbitro Young Joo Kim garantiram ao Brasil a vitória por 2 a 1 sobre a Turquia, na manhã de ontem, na abertura do Grupo C do Mundial. Os dois atacantes foram fundamentais por terem marcados os gols, o centroavante do Grêmio contribuiu ao cavar o pênalti que decidiu o jogo e o árbitro sul-coreano colaborou com o resultado ao aceitar a encenação. A seleção volta a jogar no sábado, contra a China, às 8h30, em Seogwipo, já com Ricardinho no grupo. O meia do Corinthians tem desembarque previsto para hoje, em Ulsan.

Os 33.378 torcedores que estiveram no estádio Munsu não viram uma apresentação brilhante das duas equipes.

O Brasil sem Emerson, mas com Gilberto Silva no meio-campo e Cafu como capitão, até que começou bem. Nos primeiros 11 minutos, Ronaldo arriscou um chute, assim como Rivaldo, contra dois de Ronaldinho Gaúcho. A defesa mostrava nervosismo, em especial com Edmílson e Lúcio, estabanados em algumas devoluções. A opção da Turquia era a de fechar espaços, e para tanto fazia paredão com três ‘camadas’ de marcadores.

O time de Felipão criou, não aproveitou e foi punido aos 46 minutos, com o gol turco. Lúcio tentou sair jogando com Juninho Paulista, mas deu passe errado. O meia perdeu a dividida e Basturk lançou Hasan Sas, que entrou pelo lado esquerdo da defesa e chutou forte, de primeira, sem chance para Marcos.

A Turquia voltou com marcação mais forte, no segundo tempo, mas logo abriu brecha para a reação brasileira. O primeiro esboço veio aos 4 minutos, com jogada em que Rivaldo passou para Ronaldo chutar fraco. No minuto seguinte, a repetição da troca de passes, só que desta vez mais eficiente: Rivaldo fez o cruzamento da esquerda e o Fenômeno entrou entre os zagueiros para empatar. Felipão iniciou, então, a série de mudanças, primeiro com Denílson no lugar de Ronaldinho Gaúcho. Depois, aos 27 Luizão entrou no lugar de Ronaldo e sua melhor participação veio aos 40 quando arrancou para o gol, mas foi puxado por Alpay. A falta existiu, porém fora da área. O zagueiro recebeu cartão vermelho, Rivaldo cobrou bem e garantiu a vitória. (AG)

O primeiro sufoco

Edilson Pereira

O primeiro sufoco, a gente nunca esquece. O segundo, também não. Na realidade, se há alguma coisa chata neste mundo é o sufoco. E pelo jeito que a bola rolou ontem na Coréia, podemos ficar tranqüilos: tivemos o primeiro sufoco e teremos muitos outros pela frente, até o nosso inevitável destino: sermos pentacampeões ou eliminados por alguma seleção aventureira. Os turcos têm um uniforme bonito, mas jogam uma bola feia. E mesmo assim precisamos de uma decisão oportuna, porém questionável do juiz coreano Kim Young-Joo. Ao final da partida foi um alívio, mas quando Hasan Sas, aquele turco com cara de carrasco turco, abriu o marcador, no finzinho do primeiro tempo, a gente viu todo o nosso destino nacional ali: o brejo e a vaca olhando para ele. E a vaca com aquela cara de que “é agora que eu vou!”

Naturalmente a vitória coloca uma questão ética na discussão: ganhar com pênalti duvidoso é mais gostoso? Ou é ruim? É o velho maniqueismo filosófico. Dúvidas filosóficas na Copa do Mundo fazem mal. É a pior coisa que existe. Mas, já que surgiu, a resposta é: “Claro que não”. Mas não vamos ser hipócritas, é melhor ganhar assim que empatar com a Turquia. Tudo seria melhor se o Brasil convertesse duas ou três chances reais que teve, finalizando de forma decente o domínio da partida. Mas, já que não foi possível, também seria exagero ficar reclamando. O Maradona não fez a Argentina campeã, marcando um gol de mão, no México? Os argentinos devolveram a taça?

Temos de pensar no futuro. Na China. E do jeito que o Brasil está jogando, o mais prudente é achar que estes chineses são terríveis! O sufoco parece inevitável. E a China perigosa.

Luizão admite que cavou pênalti

O atacante Luizão bem que tentou escapar, mas acabou admitindo que cavou o pênalti que resultou no gol de Rivaldo e que deu a vitória por 2 a 1 do Brasil sobre a Turquia, na estréia das equipes na Copa. Logo depois da partida, Luizão ainda sustentava ter sido derrubado dentro da área. “O cara (Ozalan) vinha me puxando desde o início da jogada”, argumentou o atacante. “Foi pênalti, sem dúvida”, acrescentou. Minutos depois, já na entrevista coletiva, ele mudou de atitude. Ao ouvir o comentário de um jornalista sobre se tinha tentado “levar o juiz no papo”, ele confessou. “Cavei. Não levei no papo, mas nestas horas é preciso um pouco de malandragem”, revelou.

A confissão contraria a avaliação de Luiz Felipe Scolari, que não fez críticas à atuação do árbitro sul-coreano Young Joo Kim. “Ele apitou dentro da normalidade e, para nós, foi pênalti no Luizão”, opinou.

Independente da polêmica em torno da jogada, Luizão disse estar satisfeito com sua atuação. “Eu soube aproveitar a chance. O professor (Scolari) pediu que eu entrasse e que eu fosse o Luizão de sempre. Quando cheguei eu não estava bem, mas com muito trabalho acho que consegui meu espaço. Na minha avaliação, acho que tive uma boa atuação”, acrescentou.

Luizão lembrou que está se notabilizando por participar de lances importantes na história recente da seleção. Além do pênalti de hoje, marcou dois gols na partida contra a Venezuela, que deram a classificação ao Brasil para a Copa do Mundo. “Não sou eu que dou sorte. Isso é natural, acontece”.

O atacante do Grêmio não concorda inteiramente com a avaliação de Felipão, segundo a qual os atacantes erraram muito nas finalizões. “Não faltou finalização. Faltou sorte. Além disso, o goleiro deles jogou muito bem e fez ótimas defesas”, disse.

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