Esporte paraolímpico é fórmula para inclusão

O desempenho brasileiro nos Jogos Paraolímpicos de Atenas, no mês passado, surpreendeu todo o País. Noventa e oito atletas conquistaram 33 medalhas, sendo 14 de ouro, 12 de prata e 7 de bronze. A meta do Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) era ficar entre os vinte melhores do mundo. O objetivo foi alcançado, pois a delegação brasileira terminou a competição no 14.º lugar.

A extraordinária campanha, a melhor da história nos Jogos, não reflete os imensos empecilhos existentes para a prática de esportes e a conseqüente reabilitação dos especiais. Todos os atletas começaram de uma maneira improvisada, sem nenhuma esperança de se tornarem campeões. A iniciativa surgiu na tentativa de recuperarem o direito à cidadania. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 24,5 milhões de pessoas são deficientes, no Brasil.

O adolescente Cristiano Fabris, de 13 anos, tem um atraso de desenvolvimento neuro-psico-motor e uma grande dificuldade em falar. Ele estuda na Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), em Curitiba. Como meio de incentivá-lo, a professora Georginia Souza Pereira resolveu trabalhar o lado esportivo com Cristiano. Ele começou com as corridas de 50m e 100m e, desde o final do ano passado, se dedica ao lançamento de dardo.

O jovem treina no jardim da calçada em frente à escola ou em uma praça perto do local. O dardo utilizado por ele nos treinos é um cabo de vassoura. Somente tem contato com o dardo quando estagiários de Educação Física da Universidade Tuiuti realizam atividades na Apae.

Mesmo com todas as dificuldades, Cristiano participou das Olimpíadas Especiais da Federação das Apaes do Paraná, em agosto deste ano na cidade de União da Vitória, e competiu somente com adultos. Entre 33 competidores, terminou a prova na 11.ª colocação. “No campeonato, ele justamente se destacou por segurar o dardo e fazer as passadas corretamente”, afirma Georginia.

A professora já conversou com os pais de Cristiano para organizar um incentivo ainda maior para o resto do ano. Com autorização deles, a parte muscular do adolescente será trabalhada para conseguir melhores resultados. O fortalecimentos dos músculos acontecerá a partir de materiais adaptados, pois não há equipamentos próprios na escola. “É preciso improvisar. Eu acredito que seja a mesma situação com os outros professores”, avalia Georginia. De acordo com ela, falta dinheiro para profissionais especializados, materiais e infra-estrutura.

A escassez de incentivos financeiros não é “privilégio” das atividades de base. Na própria delegação que foi para Atenas existem casos de extrema superação de limites e dificuldades. “Falta tudo”, sintetiza Roderlei Ferreira, técnico da seleção brasileira de futebol de 5 (para deficientes visuais), medalha de ouro nas Paraolimpíadas.

Ele conta que teve de largar os empregos que tinha em Curitiba para se dedicar exclusivamente ao grupo que foi para os Jogos. Neste ano, foi a primeira vez que o CPB disponibilizou um espaço para treinamentos, de janeiro a setembro. “Mesmo assim, ficávamos uma semana treinando no Rio de Janeiro e depois os atletas iam para suas cidades. Eu prescrevia o que eles deveriam fazer no período, principalmente na parte física”, lembra Ferreira. “Nos outros anos, nos reuníamos uma semana antes da competição e era o que Deus quisesse.”

Em Curitiba existe apenas um time de futebol, o da Associação dos Deficientes Visuais do Paraná (Adevipar). As bolas especiais, com guizos, até são adquiridas facilmente, pois o projeto Pintando a Liberdade nasceu no Paraná e a fabricação supre as necessidades locais. “De vez em quando conseguimos quadra para treinar. Tem dia que sim, dia que não. Normalmente treinamos no complexo da Praça Osvaldo Cruz, mas há uma série de condições, pois precisamos de silêncio e que esteja claro”, especifica o técnico.

Para ele, falta estabilidade no trabalho esportivo com deficientes. “Normalmente se dá oportunidade em ano de Paraolimpíada. Ficaremos três anos sem fazer nada”, afirma. Ele acredita que a equipe conseguiu a medalha de ouro pelo talento e não pela preparação que teve. “Outros países, como a Espanha e a Argentina, já estão pensando nos Jogos de Pequim, em 2008”, esclarece.

Ferreira quer agora fazer um trabalho de longo prazo para o desenvolvimento de talentos no futebol para deficientes visuais em Curitiba. “Somente um atleta da cidade participou dos Jogos. Talvez daqui a quatro anos, possamos levar mais. Talento nós temos. Tenho alguns projetos para isso e tomara que a medalha de ouro nos ajude a abrir portas e isso renda frutos”, deseja.

Benefícios

Segundo a professora Georginia, o esporte só traz benefícios às pessoas especiais. “É uma forma de inclusão. As viagens e competições também ajudam a socializar”, observa. Para o técnico Ferreira, os atletas paraolímpicos vitoriosos exercem um poder de encorajamento nos outros deficientes. “É legal eles se espelharem nos atletas, pois isso serve de estímulo. Um dos atletas da seleção de futebol ficou dois anos sem sair de casa por causa da deficiência. Até que teve contato com o jogo. Se encantou e hoje é campeão paraolímpico”, cita. “A inclusão, da maneira que for, é um direito de fazer parte da sociedade”, opina o técnico.

Voltar ao topo