É uma Copa no Brasil feita com brasileiros, diz ministro

Faltando pouco mais de seis meses para a abertura da Copa do Mundo, o ministro do Turismo, Gastão Vieira, reconhece que algumas obras necessárias para que as cidades-sede recebam os turistas ainda não começaram. Em entrevista concedida por telefone à Agência Estado, o ministro diz que falta agilidade aos governos locais na organização da estrutura turística para o evento, já que, segundo ele, os R$ 220 milhões destinados a essas obras já estão disponíveis há dois anos.

O ministro, no entanto, avalia com naturalidade os problemas no cumprimento do cronograma da Copa do Mundo e nega que o governo federal tenha superestimado os benefícios econômicos do evento. “Estamos fazendo uma Copa no Brasil, e com brasileiros. Um pouco da nossa maneira de resolver os problemas tem de estar presente nesses acontecimentos. Então atrasa uma obra aqui, ocorre um reajuste de preço ali, acaba saindo mais caro do que se previu”, diz.

Gastão Vieira afirma que os efeitos positivos da Copa serão sentidos essencialmente no longo prazo. “Temos a expectativa de que após a competição o Brasil esteja inserido na economia do turismo mundial”, avalia. Acompanhe os principais trechos da entrevista:

Agência Estado – O Ministério do Turismo espera 600 mil estrangeiros e 3 milhões de brasileiros viajando durante a Copa do Mundo, mas os dados são de uma pesquisa feita em 2011 e, desde então, seguimos em crise internacional. Este número não pode estar superestimado?

Gastão Vieira – Não, acho que essa expectativa está dentro do patamar. Mas é claro que o número pode ser menor. Na Copa do Mundo de 2010, a África do Sul recebeu 180 mil turistas a menos do que o previsto pelo governo, foi uma perda de quase 30% com relação à estimativa. Isso pode acontecer, é evidente, mas hoje não temos razão para temer um número menor de turistas estrangeiros, até porque todas as grandes seleções se classificaram para a Copa e têm torcedores que certamente pretendem acompanhar a competição.

AE – Segundo um estudo encomendado pelo Ministério do Turismo, os estrangeiros gastaram uma média de R$ 4.854 durante a Copa das Confederações, e os turistas brasileiros, R$ 1.042. Esses valores podem ser usados como referência para a Copa do Mundo?

Gastão Vieira – Apenas como referência. O turista da Copa do Mundo tem um perfil que foi observado na África do Sul: tem nível superior, viaja em grupo, possui renda elevada. Ele tem uma tendência de gastar mais do que o turista da Copa da Confederações. E a reserva de ingressos para estrangeiros foi dominada por enquanto pelos norte-americanos, seguidos pelos argentinos, então há uma boa expectativa para o nível de gastos.

AE – O Brasil vem sendo considerado um país caro. Os preços devem subir ainda mais?

Gastão Vieira – A grande maioria dos turistas que vem para a Copa do Mundo chega ao Brasil com o pacote fechado. É claro que aqueles que não têm hospedagem ou ingresso e decidem arriscar vão pagar o preço da demanda daquele momento. Estamos trabalhando para aumentar a oferta de hospedagem alternativa, algo que já funcionou na Jornada Mundial da Juventude. Também estamos nos reunindo com grupos de defesa do consumidor, com representantes estaduais e com empresários, para evitar exageros. Foi assim na Rio+20 e será assim na Copa. Há um movimento normal de mercado, mas exagero o governo não vai suportar.

AE – O que falta entregar em termos de estrutura para receber os turistas?

Gastão Vieira – Coube a nós, do Turismo, providenciar infraestrutura para sinalização turística, acessibilidade para pessoas portadoras de deficiência e centros de atendimento aos turistas. Como são obras simples do ponto de vista da engenharia, nenhuma cidade-sede começou a executá-las, embora há dois anos o dinheiro já esteja à disposição na Caixa Econômica Federal. As obras estão atrasadas e isso nos preocupa muito.

AE – Este atraso é atribuído aos governos locais?

Gastão Vieira – Sem dúvida. Houve mudança de prefeitos na maioria das cidades-sede. E tem essa coisa de brasileiro, de deixar para depois porque é mais simples de fazer. Estão querendo iniciar as obras em março. Reunimos os representantes das cidades-sede e avisamos que, se não começarem até janeiro, vamos repassar a responsabilidade para outra esfera de governo.

AE – Quanto exatamente está sendo investido em toda essa preparação da estrutura turística para a Copa do Mundo?

Gastão Vieira – Cerca de R$ 220 milhões foram destinados às obras que eu mencionei, de sinalização turística, acessibilidade e centros de atendimento nas cidades-sede. Também teve o PAC do Turismo, que envolveu R$ 680 milhões, e parte desse montante foi direcionado à construção de centros de convenções em municípios estratégicos e à colocação de sinalização turística em cidades históricas que não receberão jogos, mas, sim, visitantes. Isso tudo foi o esforço direto. Além disso, disponibilizamos R$ 12 bilhões através de linhas de crédito para financiar a construção de hotéis. Entre 2012 e 2016, serão 430 hotéis novos no Brasil.

AE – Vocês já percebem algum retorno desse investimento?

Gastão Vieira – Não, porque só o centro de convenções da Paraíba está em fase de conclusão, alguns ainda estão em fase de licitação, então não há uma repercussão direta para a Copa. A maior expectativa é de que após a competição o Brasil esteja inserido na economia do turismo mundial. Quem trabalha com grandes eventos sabe que o retorno do investimento é de médio e longo prazo e, no caso do turismo, desde que você consiga alterar a plataforma turística do país a partir dos eventos. É por isso que a Copa do Mundo tem que ser memorável, para que os visitante voltem ao Brasil, tragam mais gente, falem bem do País lá fora. Colocar sinalização é uma tarefa, formar gente é uma tarefa, mas o grande legado se dá após o apito final do último jogo.

AE – Há um certo receio com segurança pública, manifestações populares e a dificuldade de entregar obras prometidas. O turista pode ficar insatisfeito e o legado não ser tão bom quanto se espera?

Gastão Vieira – Nós fazemos levantamentos com institutos de pesquisa e não identificamos nos turistas estrangeiros uma preocupação prioritária com segurança. Eles se preocupam mais com os preços e com sinalização turística. A questão da segurança não está na primeira escala de preocupação deles, mas o governo fará o possível para prevenir problemas nesse sentido. Existe um plano de ação.

AE – Alguns economistas defendem que o governo pode ter superestimado os benefícios da Copa do Mundo. O senhor concorda?

Gastão Vieira – Olha, não estamos fazendo uma Copa do Mundo na Alemanha, com alemães e para europeus. Nós estamos fazendo uma Copa no Brasil, e com brasileiros. Um pouco da índole do brasileiro, da nossa maneira de resolver os problemas, tem de estar presente nesses acontecimentos. Então atrasa uma obra aqui, ocorre um reajuste de preço ali, acaba saindo mais caro do que você previu, etc. Porém, o benefício da população na área de mobilidade urbana e de aeroportos, por exemplo, é muito sensível.

AE – Mas os balanços oficiais divulgados pelo governo mostram um aumento no custo dos estádios e uma diminuição no gasto com as obras de mobilidade urbana, até mesmo com a exclusão de muitas delas.

Gastão Vieira – Essas obras foram excluídas do mapa da Copa, mas serão feitas em algum momento. E eu repito, você está fazendo uma Copa no Brasil com brasileiros, não pode exigir um planejamento que não é um exercício do nosso cotidiano. Claro que estamos nos aperfeiçoando, estamos treinando milhares de trabalhadores em língua inglesa e espanhola. Será que despertaríamos para essa necessidade se não houvesse um evento como este? Eu trabalho pelo lado positivo, acho que o legado é importante e que o Brasil vai deixar para a população muitos ganhos que ela não teria se não houvesse Copa do Mundo.