Coronavírus: retorno dos campeonatos em 16 de maio é irresponsabilidade

Rogério Caboclo, presidente da CBF, jogou a bomba pras federações. Ele quer a volta do futebol para que cesse a pressão pra que a entidade ajude financeiramente na crise do coronavírus, Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Estamos atrás de países europeus no combate à pandemia do novo coronavírus. Mesmo assim, muitos dirigentes do futebol brasileiro querem a retomada das atividades antes do que seria considerado conveniente. A decisão deveria ser apenas das autoridades de saúde. Mas existe uma posição política, que parte do governo federal, passa pela CBF e pelas federações, e que olha mais para o dinheiro do que para a saúde.

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O lobby do futebol em Brasília não é fraco, e não é de hoje – lembrem das festas boca livre que rolavam em mansões da capital federal há alguns anos, que inclusive foram assunto de CPI. E é por conta disso que até mesmo adversários políticos hoje estão com o mesmo interesse, de que as partidas sejam retomadas, e que vejamos na próxima segunda-feira (4) alguns clubes retomando os treinos.

É claro que a crise econômica bateu na porta de todo mundo. Duvido que haja uma pessoa sequer que não tenha sido impactada. Como disse há algumas semanas, a maior preocupação é com quem trabalha indiretamente no futebol, informalmente, que teve sua fonte de renda totalmente comprometida. A retomada gradual das atividades depois de um determinado estágio da pandemia do coronavírus é natural e correta. Mas nada pode ser feito de afogadilho.

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E aí entidades e até autoridades de saúde estão entrando na onda dos políticos e dos cartolas. Certamente há uma condição ideal de retorno do futebol – poderia ser amanhã, se fosse o caso. Só que se fosse amanhã, teria que seguir um protocolo tão restrito que, no final das contas, impediria as atividades. E será assim em maio também. Além disso: temos como exigir dos clubes, principalmente os menores, que sigam todas as regras? E mais: temos como fazer a vigilância disso tudo?

Os riscos

Pense numa situação hipotética: você marca um casamento na Bahia; convida centenas de amigos; em meio ao coronavírus, todos se protegem como podem; mas um dos convidados, vindo do exterior, está contaminado, não faz a quarentena e decide ir à Bahia; todo mundo se abraça, festeja, dança, transpira, conversa perto; dias mais tarde, quase todos os convidados estão contaminados. É tão maluco que só pode ser mentira, né? Mais maluco seria ver as mesmas pessoas desrespeitarem a quarentena de novo, mas isso seria impossível.

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E o futebol? O clube W procede todos os protocolos, assim como o time X e o time Y. Mas o time Z, por qualquer razão, não consegue implementar todos. Um dos seus jogadores volta a treinar. Sente os sintomas dez dias depois dos treinos. Faz o exame e dá positivo. O clube Z recebe a resposta apenas depois da volta dos estaduais. Enfrentou o time W no domingo. E o clube Y na quarta, mesmo dia em que o clube W pegou o time X. O risco de os quatro times estarem infectados seria gigante.

O pico do coronavírus ainda não chegou

Veja a forma como se negociou o retorno do futebol brasileiro: na segunda-feira (27) as federações de Paraná e Santa Catarina pediram para retomar seus campeonatos no dia 16 de maio. Uma irresponsabilidade. É quando se prevê o pico do número de casos do coronavírus no País.

Por mais que tenhamos regiões com situações diferentes, estados tendo mais sucesso que outros, é uma temeridade – ou, como disse o presidente do Paraná Clube, Leonardo Oliveira, é uma loucura.

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No dia seguinte, a CBF pediu às federações que pressionassem pela volta no mês de maio. Mas o governo catarinense, logo o que mais vem liberando atividades, negou o pedido da FCF pra jogar no dia 16 e também a volta dos clubes aos treinos. Também na terça (28), a CBF colocou a data em discussão com os clubes, que em sua imensa maioria foram contra. Mário Celso Petraglia, presidente do Athletico, teria sido um dos que mais se revoltou com a sugestão da entidade.

É preciso usar o cérebro

Só conseguimos achatar a curva de contágio porque respeitamos o isolamento social. Precisamos de mais um tempo, talvez três ou quatro semanas a mais do que o lobby do futebol quer. A volta em junho era aceita pela maioria. Mas a posição do ministro da Saúde, de que os jogos podem acontecer para ‘entreter’ a população, é a tendência do momento.

Perguntaram para os atletas se eles se sentem confortáveis com essa decisão? Será que os autores do protocolo de retorno sabem que faltam máscaras nos hospitais? E mesmo assim querem máscaras para comissões técnicas nas partidas de futebol? Exames periódicos? E quem está em casa e não faz o teste para coronavírus porque está em falta? O futebol não é um mundo à parte.

Ah, e espero que os cartolas que tanto querem a volta imediata do futebol saiam do casulo, venham a público e assumam toda responsabilidade sobre o que pode acontecer.


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