A volta do rúgbi

Dizem que o técnico Scolari deu nota sete pra sua equipe. A meu ver, é nota de pai pra filho.

Seul

– Impressões da primeira semana de Copa do Mundo:

1 ? A arbitragem do mundial está ressuscitando um remoto clichê da crônica esportiva brasileira que, nos anos 50, definia o futebol como “o velho e violento esporte bretão”. A ordem tem sido deixar o jogo correr, ignorando entrechoques, até agora, tidos como faltosos. Há momentos em que os jogadores, dois, três, se engalfinham, enquanto a bola jaz, intocada, como um corpo estranho na foto. Qualquer dia, alguém agarra a bola com as mãos e vai embora na direção do gol. E assim, estará reinventado o rúgbi. Ou, quem sabe, acabe surgindo uma mistura de rúgbi com sumô. É bom reconhecer que, na verdade, a FIFA está dando um troco a muitos e muitos anos de encenação. No mais singelo corpo-a-corpo, há sempre alguém mergulhando, espalhafatosamente, pra levar o árbitro a marcar uma falta que, de fato, não ocorreu.

2- A estréia da seleção brasileira não poderia ter sido mais frustrante. Pelo menos, pra mim. Não se justifica que o Brasil, contra uma equipe banal como a da Turquia, saia de campo com uma vitória forjada no apito de uma arbitragem catastrófica. Pra não dizer que achei tudo um horror, direi que Gilberto Silva estreou com a categoria de um veterano e que Ronaldinho I foi um bravo, superando limitações físicas de alguém que ficou dois anos na mais absoluta inatividade.

É indesculpável que a seleção tenha estreado tão mediocremente. Dizem que o técnico Scolari deu nota sete pra sua equipe. A meu ver, é nota de pai pra filho. O futebol brasileiro pertence a uma elite, com um nome a zelar. Pega tão mal um triunfo, assim, maculado por um árbitro caolho, que me permito dizer uma coisa: contra a China não se pode esperar senão uma exibição de gala. Afinal, o Brasil é da mesma turma da Itália e da Argentina que pegaram, de saída, duas paradas muito mais difíceis e das quais saíram, não apenas vitoriosas mas, sobretudo, exaltadas por todos pela excelência do futebol jogado.

O Brasil, pelo menos no futebol, sempre foi um país do andar de cima, pra usar a feliz metáfora do articulista Elio Gaspari. Não pode estrear na Copa do Mundo, entrando, como entrou, pela porta de serviço.

3 ? Gostei muito de ver o futebol da Argentina e da Itália, duas forças respeitáveis em todos os mundiais. A Argentina, pelo menos contra a Nigéria, mostrou, sobejamente, que é possível conciliar o futebol de fantasia dos sul-americanos com o padrão cartesiano dos europeus. Invenção nos pés de Ortega, de Aimar. Reflexão nos pés de Veron e Kily Gonzalez. Nos movimentos da equipe, a encarnação do conceito lapidar de Jorge Valdano: “La pelota, hay que tocarla mucho y ternerla poco.” Em bom português: em vez de prender a bola, individualmente, é preciso fazê-la circular muito, pelo campo todo.

Já ao ver a Azzurra derrotar a certinha equipe do Equador, me lembrei de um papo que tive, aí no Brasil, com o jogador Leonardo que me dizia: “Armando, não descarte a Itália. Há muitos anos, eles não têm atacantes da envergadura de Vieri, Del Piero e, principalmente, Totti, um meia-atacante extra-classe.” Realmente, a Itália parece que veio pra ficar. Defende-se com raro senso de cobertura e antecipação e está atacando com classe e eficiência.

Copa e cozinha

– Boa sacada do jornal italiano ?Corriere dello Sport?: “Ronaldo e arbitro: il Brasile va!” A manchete saiu no dia seguinte à constrangedora vitória contra a Turquia.

– Nos pubs londrinos, o prato principal entre 07h00 e 12h00 é “Beckham e ovos”. O fuso horário obrigou os súditos da rainha a trocar a cerveja por bacon, ovos e salsicha.

– O telefone não pára de tocar no hotel da seleção francesa. São mais de vinte telefonemas por dia de médicos, fisioterapeutas e empresários sugerindo panacéias de toda ordem pra curar a distensão de Zinedine Zidane.

– Na Coréia, os restaurantes fecham às 23h00. Os jornalistas brasileiros, que trabalham até tarde da noite, descobriram um lugar bem simpático pra ceiar, depois de mais uma longa jornada. É um boteco tipo pé-sujo. O garçom, o simpático Ki-Soo, que no início não entendia nada, agora já entende quando o pessoal pede um franguinho e uma ´jagga´ de cerveja. Às cinco da matina, quando o pessoal está indo pro Mídia Press, lá está o Ki-Soo, sorridente a atender os clientes insones, recém-chegados de mais um plantão.

– O treinador Bora Milutinovic, hoje, com a seleção da China, é um recordista de mundiais. Ele dirigiu cinco seleções diferentes, entre 1986 e 2002. Primeiro, levou o México às quartas-de-final, em 86; depois, pôs a Costa Rica na segunda fase da Copa de 90; em 94, levou os Estados Unidos à segunda fase; em 98, comandou a Nigéria, alcançando, também, a segunda fase; por fim, acaba de classificar a China à Copa de 2002. O outro treinador igualmente recordista é o nosso Carlos Alberto Parreira, com quatro seleções diferentes: Kuwait, em 82; Emirados Árabes, em 90; Brasil, em 94; e Arábia Saudita, em 98.

– A alma da Coréia está repartida entre três religiões: taoísmo, confucionismo e budismo. Todas três trazidas da China. O coreano, um ser místico, por excelência, cultua também o chamanismo, de inspiração própria. Quatro religiões. Quatro estados de espírito. Agora, um culto explosivo parece estar nascendo aqui: é o futebol. Um concurso acaba de premiar os mais bonitos quadros, pintados por crianças dos colégios primários de Seul. Um sonho de menino. Quem sabe, uma nova religião na terra da manhã calma.

– O craque inglês David Beckham disse ao jornal espanhol ?Olé? que ” um jogador como Veron pode acabar com qualquer equipe. Ele é o melhor volante do mundo.”

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Colaborou Andréa Escobar

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