Bom Retiro Curitiba

Nona curitibana vence o preconceito e consegue emprego aos 68 anos

Aos 68 anos, Giulia concorreu com duas mil pessoas e foi contratada num buffet de festas infantis. Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná
Escrito por Giselle Ulbrich

Na contramão do “preconceito” com pessoas mais maduras, assistente social conseguiu emprego formal aos 68 anos e conta sua história

A técnica em radioterapia e assistente social Giulia Cestari, 68 anos, a “Nona”, não imaginou que com a idade que tem ainda fosse conseguir um emprego formal, com carteira assinada e todos os direitos trabalhistas. Mas aconteceu com ela e com mais duas mulheres, ambas na casa dos 70 anos, que foram contratadas por um buffet de festas infantis no bairro Bom Retiro, em Curitiba, para o cargo de “avó”. A contratação é algo quase inédito para o mercado de trabalho brasileiro, que ainda é cheio de preconceitos com as pessoas mais “maduras”. A seleção para esta vaga, inclusive, foi divulgada pelos Caçadores de Notícias em julho deste ano.

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A função delas dentro do buffet Mundo Kids é cuidar de crianças de até cinco anos dentro da área “baby montessoriana”. “Esse emprego está sendo bom psicológica e financeiramente. Porque você sair de casa é muito bom, ver que você ainda tem valor socialmente. Apesar de ser uma coisa muito diferente dos empregos que já tive, foi muito gratificante ele (o dono do buffet) me chamar e dizer: ‘você foi uma das escolhidas’. Me senti muito bem, valorizada. Concorrendo com tantas colegas e conseguindo o meu lugarzinho aqui”, disse Giulia, que venceu uma concorrência maior que a de vestibular: duas mil candidatas.

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Nona conta que se aposentou cedo, com 20 anos de trabalho, pois exercia uma função de risco. “Mas era um trabalho de apenas quatro horas por dia. Então eu exercia outro trabalho no restante do tempo livre, de assistente social. Então a vida inteira tive essa vida agitada de dois empregos”, disse ela. Por isto, mesmo depois de aposentada, ela continuou trabalhando, somando um total de 40 anos laborais.

Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná.
Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná.

Houve uma época da vida que, mesmo sem ela planejar, acabou ficando mais em casa, sem trabalhar fora. Por coincidência, logo em seguida a filha autista precisou de cuidados e Nona se dedicou a ela. Mas logo que esta fase passou e a filha não precisava mais de tantos cuidados. “Eu me vi sem meus dois empregos e me sentia desocupada, os dias eram muito longos. Mesmo que sempre tenha coisas a fazer em casa, eu me sentia sem ter o que fazer”, disse.

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A tentativa de voltar ao mercado foi difícil. “Por mais que eu tivesse muita experiência e estivesse aberta a empregos diversos, as empresas preferem os mais jovens”, lamentou. “Formalmente fazia quatro anos que estava procurando uma colocação segura, com carteira assinada, um salário no qual eu posso contar no final do mês”, diz a “avó” contratada pelo buffet infantil.

Infografia: Cláudio "Doggy"/Tribuna do Paraná
Infografia: Cláudio “Doggy”/Tribuna do Paraná

Mudanças

Nona diz que nunca tinha imaginado trabalhar num cargo de “avó”, mas garante que foi fácil adaptar-se a esta mudança de atividade. Nascida na Itália, veio com seis anos ao Brasil e aqui passou por muitas mudanças e adaptações ao longo de toda a vida.

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Apesar de não ter netos, ela diz que sempre foi um “ímã de crianças”. “Elas sempre vêm até mim, sorrindo, já querendo brincar. Por causa disso eu sempre cuido dos filhos das minhas amigas quando elas precisam sair, fazer algo que não pode levar criança junto. Eles ficam lá em casa sempre. Como não tenho os meus próprios netos biológicos, tenho esses que a vida me deu. Eles são espontâneos, tudo é alegria. É bonita a felicidade de uma criança que ainda não tem preconceito com nada, que não se importa com nada, que brinca com qualquer coisa”, analisa ela, acreditando que é a empatia que cria com as crianças que a fez ser selecionada à vaga de avó.

Quebrando preconceitos

Buffet infantil contrata vovós para trabalhar com crianças durante as festas e eventos. Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná
Buffet infantil contrata vovós para trabalhar com crianças durante as festas e eventos. Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná

Uma pesquisa da empresa de recrutamento Robert Half mostrou que 91% das empresas entrevistadas afirmaram que contratariam um profissional com 50 anos ou mais. Apesar do discurso, nem todas possuem funcionários nesta faixa etária. Por isto, dizem estudiosos em longevidade, não basta só vontade. Tem que colocar em prática.

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Paulo Pinheiro, 41 anos, é dono do Buffet Mundo Kids, onde a Giulia Cestari foi contratada. Ele tem um quadro mínimo de 30 funcionários fixos (sem contar os “flutuantes” e prestadores de serviços). Neste quadro mínimo ele tem cinco pessoas com mais de 50 anos e 12 funcionários entre 18 a 20 anos.

Paulo gosta de ressaltar que tenta dar espaço a dois públicos discriminados pelo mercado de trabalho: os bem jovens, que não conseguem emprego porque ainda não possuem experiência (o desemprego é de 26,6% na faixa etária dos 18 aos 24 anos, conforme pesquisa do IBGE do ano passado, com dados de 2017); e os “cinquentões” para cima, que sofrem a discriminação (velada) de idade pelos recrutadores.

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“A gente sempre contratou pessoas nestas duas faixas etárias, mas nunca divulgava isso porque não queríamos que as pessoas achassem que estávamos nos promovendo. Até que um dia, estimulados pela diretora de um hospital infantil de Curitiba que nós ajudamos, decidimos intencionalmente colocar o anúncio da ‘vaga de avó’ nas redes sociais. A intenção foi justamente fazer a sociedade discutir o assunto, como de fato aconteceu. Resolvemos encarar as críticas em prol de algo maior”, explica Paulo.

E Paulo vai ainda mais longe em seu raciocínio. “O Estado já tem muitas coisas pra cuidar. É das empresas, eticamente, esse trabalho de promover ações de promoção social”, completa o empresário, que já contratou até refugiados.

Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná.
Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná.

Dificuldades e vantagens

Paulo entende que as pessoas com mais idade, às vezes, são um pouco mais demoradas de treinar do que os jovens. No entanto, uma dose de paciência e empatia (já que todos nós um dia envelheceremos) é suficiente para ele ensinar cada novo funcionário. E a dedicação dele se reverte em pessoas mais comprometidas.

“Geralmente eles não faltam ao trabalho por qualquer coisa. E como são gratos à oportunidade, se dedicam muito. O nível de satisfação com o trabalho aumenta. A nossa gerente de festas, que tem quase 60 anos, começou como garçonete. Mostrou ótimo desempenho e subiu na carreira. E em nenhum momento a idade desabonou a atividade dela. Ela tem saúde plena e trabalha super bem. Isso mostra que as pessoas estão envelhecendo com muita saúde, continuam aptas a trabalhar com eficiência. Queremos debater isso e quebrar o estereótipo que só dá pra contratar pessoas de 25 a 30 anos”, analisa Paulo.

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É justo nessa mistura de gerações distantes, da junção do experiente com o inexperiente, que Paulo vê a empresa crescer. Ele explica que, em geral, os mais novos ensinam os mais velhos sobre tecnologia e outras coisas da modernidade. Já os mais velhos ensinam sobre a vida, passam experiências profissionais. “Com essa mescla, deixamos a equipe mais coesa, diversificada. É um ambiente de trabalho que faz bem para todos, para a empresa, para as pessoas, para a sociedade”, analisa ele.

Amanhã na Tribuna

A história da Nona, que contamos hoje, é bonita, feliz. Mas amanhã vamos mostrar o oposto disso. É a história do Pedro, um vendedor de carreira, cheio de experiência, disputado pelo mercado de trabalho, mas que hoje não consegue se recolocar por causa da idade. E a situação dele é da grande maioria dos brasileiros acima dos 50 anos. Junto com essa história, especialistas dão dicas do que fazer para passar por esta fase mais “tranquilo”.

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Sobre o autor

Giselle Ulbrich

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