Curitiba

O que acontece com os restos mortais se a família do falecido não pagar a taxa do cemitério?

Escrito por Maria Luiza Piccoli

Inadimplência em taxas de cemitérios vem crescendo. Apesar de polêmica, municípios e as empresas têm permissão de cobrar pelos serviços

O que antes era ritual, hoje já é quase rotina. Carregada de desabafos, a consultora de vendas Sônia Regina Gritten, 50, pelo menos uma vez por semana, vai ao cemitério “visitar” seu pai e sua filha, sepultados há algum tempo na instituição localizada no bairro Tarumã, em Curitiba. Cuidadosa, ela faz questão de garantir a boa apresentação dos jazigos, arcando disciplinadamente com a taxa mensal cobrada pelo cemitério para a manutenção das criptas.

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Nem todo mundo, porém, trata seus falecidos com o mesmo esmero. Problema mais comum do que se imagina, a inadimplência nos cemitérios no Brasil é mais alta do que deveria. Em municípios como Rio de Janeiro e Distrito Federal a questão, inclusive, chegou aos tribunais, dada à polêmica envolvida em torno de um dos principais questionamentos acerca do tema: afinal o que acontece com os restos mortais dos entes de famílias que deixam de pagar o cemitério?

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Às vezes uma flor a tiracolo, à vezes nenhum “presente” para os falecidos. Mesmo assim, um único sentimento jamais deixa de acompanhar Sônia Gritten em todas as visitas que faz ao cemitério há 24 anos: a saudade. “Quando a coisa aperta eu venho aqui e peço força para meu pai que olha por mim de lá de cima. Pra muita gente isso não significa nada, mas pra mim é inconcebível deixar de visitá-los e ‘conversar’ com eles pelo menos uma vez por semana”, contou, referindo-se aos entes que jazem sepultados no Cemitério Vertical de Curitiba. Cliente da necrópole desde 1995, a consultora optou pelo serviço tendo em vista dois fatores: praticidade e respeito aos falecidos. “Escolhi sepultá-los aqui por conta do cuidado que dispendem aos nossos familiares. É bem diferente da realidade dos cemitérios municipais”, revela, sem reclamar da taxa mensal de R$53 que paga pela manutenção dos jazigos.

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná
Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Não é todo o mundo, porém, que se comporta com a mesma reverência de Sônia em relação aos mortos. Seja pela falta de condições seja por mera negligência, a inadimplência nos cemitérios Brasil afora anda alta. Em agosto do ano passado o assunto chegou à corte carioca que, diante da grande inadimplência em alguns cemitérios municipais, teve de posicionar-se em relação ao “despejo” de jazigos pleiteado pelas concessionárias que administram os cemitérios públicos da cidade. Considerando haver “perigo para a coletividade”, o TJRJ proibiu que as administradoras exumassem restos mortais, haja vista que a remoção e posterior incineração de ossadas são medidas irreversíveis.

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Reflexo do cenário nacional, em Curitiba esse número também é mais alto do que se imagina. Ainda sem levantamento específico por parte da administração municipal, dá para se ter uma ideia da situação com base na realidade das necrópoles privadas. No Cemitério Vaticano situado no bairro Cachoeira, por exemplo, 8% dos clientes estão inadimplentes, segundo a assessoria de comunicação da instituição. Já no Cemitério Parque Senhor do Bonfim, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), a porcentagem de clientes com pagamento atrasado chega aos 32%. “A principal justificativa para os atrasos, segundo os clientes, é a falta de condições de arcar com as mensalidades. Muita gente, quando contratou o serviço, possuía renda melhor ou estava trabalhando. O que temos visto na prática é que a situação financeira das pessoas mudou e boa parte se aposentou”, explica o diretor da entidade, Robson Posnik.

No Cemitério Vertical a situação não é muito diferente. Segundo a gerência, 20% dos clientes estão inadimplentes, circunstância na qual as famílias são notificadas e contatadas para regularização dentro de um prazo de 6 meses. “Primeiro nós entramos em contato com a família para entender o que está acontecendo e tentar negociar formas de resolver o problema. Caso não haja resposta, no prazo de 6 meses é feito um pedido judicial e a exumação é feita. Os restos mortais são então armazenados em depósitos com identificação, o que permite às famílias recuperar as ossadas, caso queiram”, explicou o gerente do cemitério, Irailton Bendlin.

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O que diz a lei?

Prevista no artigo 30 da Constituição Federal (CF), a competência para legislar sobre os serviços funerários e de sepultamento cabe aos municípios, devendo estes observarem ­ entre outras – a necessidade da correta destinação dos cadáveres, para atender desde questões relacionadas à urbanização (observando o plano diretor do Município), mas principalmente as questões relacionadas à saúde pública e proteção do meio ambiente.

A diferença entre os cemitérios públicos e privados está na administração, sendo aqueles geridos pelo poder público, e estes por empresas concessionárias ou permissionárias. Em ambos os casos, no entanto, são cobrados tributos para manutenção do serviço.

Em relação à inadimplência dos usuários (seja pela falta de pagamento ou pelo abandono dos jazigos), a permissão concedida aos municípios para legislarem acerca do assunto legitima a cobrança para manutenção, encontrando respaldo na Constituição Federal (artigo 30, incisos I e V), o que prevê a exumação dos corpos cujos responsáveis não estejam fazendo frente a essas despesas.

Ainda que seja feita a exumação e destinação dos restos mortais ao ossuário público, o decreto municipal 1.202 de 26 de julho de 2011, além de permitir a prática, garante aos familiares, a correta identificação das ossadas, a fim de que possa ser conhecida a sua destinação.

Em Curitiba a questão é regida pelo decreto nº 1202/2011, que regulamenta os cemitérios da capital e prevê que, constatado o abandono do jazigo, uma notificação deve ser emitida ao responsável via Diário Oficial e, decorrido o prazo de 90 dias sem resposta, o corpo é exumado, sendo o espaço no qual estava enterrado devolvido ao município e a ossada transladada para o ossário geral, no mesmo cemitério. Polêmica, a questão gira em torno do chamado “Jus Sepulchri”, que consiste no direito garantido pela legislação federal a todos os brasileiros de enterrarem ou de serem enterrados dignamente em terrenos próprios para o sepultamento.

Para a advogada especialista em Direito do Consumidor, Claudia Silvano, a temática da inadimplência nos cemitérios deve ser abordada levando em consideração dois fatores preponderantes: a legislação municipal e o próprio contrato estabelecido entrepartes. “De fato esse direito é garantido, porém isso não significa que seja absoluto. Há cláusulas contratuais estabelecidas por cada cemitério, dentro do que estabelece a lei, e isso tem que ser muito bem explicado no momento da contratação para que o consumidor esteja ciente do que pode acontecer caso se torne inadimplente”, explica.

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Em decisão recente, proferida em maio do ano passado, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), entendeu legítimo o pedido rescisão de contrato, por parte de um cemitério particular de Curitiba, no qual a retirada dos restos mortais estava prevista. “Com base na jurisprudência pode-se concluir que não existe lesão ao “Jus Sepulchri” nas rescisões contratuais de cemitérios por inadimplência, contanto que os restos mortais tenham a destinação correta, obedecendo às normas de direito ambiental. E é justamente por isso que cada cemitério conta com um ossário onde esse material é depositado. De qualquer forma, esse assunto é muito delicado e demanda uma análise minuciosa da lei e do contrato, que variam conforme a instituição e unidade da federação”, finaliza.

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