Curitiba

A cada quatro horas uma criança tem intoxicação com remédio no Paraná

A cada quatro horas, uma criança se intoxica tomando remédios. Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná
Escrito por Giselle Ulbrich

Remédios nunca devem estar ao alcance de crianças, pois elas são verdadeiros “investigadores” e “fuçam” cada canto da casa

Foram 15 minutos de distração. A pequena Anna Júlia Lazarov, então com 4 anos (hoje tem 6), estava tão quieta e abatida na frente da TV, por causa da febre, que a mãe, a administradora Karla Lazarov, 42 anos, não se preocupou muito com a sacolinha da farmácia que tinha acabado de trazer da rua. A deixou em cima da mesa e foi fazer o jantar. 15 minutos depois, a mais velha vem dar a notícia: “Mamãe, a Juju tomou esse frasquinho todo de remédio. Eu falei pra ela não tomar”. Anna Júlia tinha acabado de ingerir um frasco inteiro de Tylenol baby. Apavorada, Karla “voou” para o hospital. Sorte é que não aconteceu nada sério com a criança, pois se fosse Tylenol adulto, por exemplo, o fígado da criança poderia ter parado de funcionar.

Este é apenas um exemplo de algo que acontece todos os dias ao redor do mundo. Pais ou cuidadores que descuidam dos locais onde deixam os medicamentos e eles são alcançados pelas crianças. “A gente subestima os pequenos. O frasco tem uma trava na tampa. Ela prestou atenção como eu abria e abriu”, lamentou Karla, que desde então, passou a deixar as caixas de remédios bem no alto do armário, longe do alcance e da vista das crianças, e coloca alarmes no celular para se lembrar do horário de utilizá-los.

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“Pro meu alívio, a médica falou que o frasco de Tylenol baby tem só 15 ml porque é justamente a quantidade máxima que uma criança pode tomar e não paralisar o fígado. Mas já pensou se fosse algum remédio meu, de adulto? A médica disse que isso era muito comum, porque remédios são doces, coloridos. Já notou que todo antibiótico infantil é rosinha? Então a criança toma mesmo, pensando que é doce ou balinha”, contou a administradora.

Risco de morte

“A gente acha que só os medicamentos de tarja preta vão fazer muito mal às crianças, se elas engolirem. Mas esses medicamentos mais comuns, que todo mundo tem em casa, também causam grandes estragos”, explica o médico intensivista pediatra do Hospital Pequeno Príncipe, Eduardo Maranhão Gubert.

O paracetamol (o Tylenol, citado por Karla), por exemplo, pode causar insuficiência hepática. Os antiinflamatórios (como ibuprofeno, ou um Dorflex, por exemplo) podem gerar hemorragias no estômago. O propranolol, medicamento muito usado por adultos e idosos para controlar a pressão arterial, baixa a frequência cardíaca. Pode até paralisar o coração, conforme a quantidade ingerida e a idade da criança.

A mesma ação causam os descongestionantes nasais (Sorine, Neosoro, etc). “É muito comum os pais deixarem estes produtos na cabeceira da cama, pra ficar fácil na hora que o nariz tranca. Porém é comum a criança espremer o frasco inteiro na boca, pior do que colocar no nariz. Isso gera a braquicardia (coração bate mais lento)”, explica o pediatra.

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Como acontece?

Conforme os relatos que chegam aos pediatras do Hospital Pequeno Príncipe, é muito comum os pais relatarem que os medicamentos estavam em balcões, pias ou na cabeceira da cama. Ou então, as crianças encontraram caídos no chão, ou exploraram gavetas, armários e bolsas. “Mas nessa idade, principalmente abaixo dos quatro anos, eles são investigadores natos. Vão escalar, puxar cadeiras, subir e vão matar a curiosidade. É difícil educar um ‘investigador’ nessa fase.

A cada quatro horas, uma criança se intoxica tomando remédios. Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná
A cada quatro horas, uma criança se intoxica tomando remédios. Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Por isso eu digo que são os pais que precisam ser educados, não as crianças”, analisa o pediatra.
Há ainda casos de crianças que, ao invés de ingerir, colocam os medicamentos no nariz ou no ouvido. Nem sempre são fáceis de serem retirados e vários casos precisam de cirurgia, nem sempre bem sucedidas. Um garoto de dois anos morreu, na semana passada, no Hospital Angelina Caron, em Campina Grande do Sul, porque aspirou parte de um comprimido de omeprazol. Neste caso, especificamente, ele não encontrou acidentalmente o medicamento. Ele estava fazendo um tratamento, com orientação pediátrica. Mas na hora da mãe ministrar o remédio, ao invés do garoto engolir, ele chorava muito e aspirou. O menino deu entrada no hospital no dia 28 de novembro. Ficou internado e morreu em 03 de janeiro.

Ainda são mais comum os casos da criança encontrar acidentalmente os medicamentos. Mas também há casos de pais ou cuidadores que erraram a dose (deram a mais), porque se confundiram no intervalo de tempo e deram duas vezes seguidas, ou erraram a medida.

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O que fazer?

Seja qual for o medicamento que a criança ingeriu, é preciso leva-la urgentemente ao médico ou hospital para ser avaliada. As condutas médicas podem ser várias, porém dependem de cada caso específico. Eduardo diz que são raras as lavagens gastrointestinal, pois são usadas em situações mais extremas. Na maioria dos casos, as crianças ficam algumas horas em observação, tomam algum “antídoto” e ficam no soro, visto que, em alguns casos, não é indicada a ingestão de água ou leite.

Dois mil por ano

O que você faria, se suspeitasse que o seu filho ingeriu medicamentos que não deveria? Você encontra a criança com um frasco ou um blister vazio na mão e vários comprimidos no chão. E você não sabe quantos comprimidos a criança pode ter tomado ou aspirado. Lendo isto, os pais ou cuidadores podem estar pensando: isso nunca vai acontecer aqui, porque nós cuidamos. Mas isso acontece a cada quatro horas e 10 minutos no Paraná, em lares onde os pais se julgam cuidadosos, mas viraram as costas para as crianças “só um minutinho”. Ou seja, por dia, cinco a seis crianças vão parar no hospital por intoxicação medicamentosa.

A estatística é da Divisão de Vigilância de Zoonoses e Intoxicações (DVZI), da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), com base em dados coletados em 2017 e 2018. Os dados foram retirados de telefonemas recebidos pelos três centros de intoxicação existentes no Paraná, tanto feitos por médicos (que atenderam crianças intoxicadas por medicamentos nos hospitais e telefonaram aos centros para registrar a estatística) ou dos próprios pais ou cuidadores de crianças, que ligaram pedindo informações ou auxílio.

Em 2017 e 2018, os centros de intoxicação receberam, em todo o Paraná, 4.199 telefonemas, dos quais 35,6% de Curitiba e região metropolitana (1.498 ligações). Só no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, foram 41 crianças atendidas no pronto atendimento ano passado, ou seja, uma criança a cada nove dias.

Ainda segundo a pesquisa da DVZI, na classificação das faixas etárias, os adolescentes de 15 a 19 anos foram os que mais se intoxicaram com medicamentos no Paraná. Mas, diferente das crianças, boa parte dos casos desta faixa etária não são considerados acidentais. Já quando se considera o grupo de recém nascidos até os 9 anos de idade (quando a maioria dos casos é considerado acidental), o grupo mais “intoxicado” é o de 1 a 4 anos: 813 crianças (19% do total).

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Estados Unidos

Uma pesquisa feita anualmente por uma ONG americana que trabalha em prol da segurança infantil, a Safe Kids Worldwide, traz um panorama bem completo sobre intoxicação medicamentosa em crianças. Diferente do Brasil, os americanos têm o costume de telefonar aos centros de intoxicação informando sobre estes acidentes, sejam graves ou não. Por isto, a entidade afirma que a pesquisa é bem próxima da realidade. Os centros chegam a receber uma ligação por minuto.

O relatório 2018 mostra que, a cada 12 dias, uma criança de até seis anos morre nos Estados Unidos, por intoxicação medicamentosa. A cada hora, uma criança é internada e, a cada nove minutos, uma criança dá entrada no pronto socorro. Um em cada três pais acreditam que, se a criança está supervisionada, não é preciso se preocupar sobre onde os medicamentos estão guardados na casa. E muitos subestimam as crianças, quando se trata de embalagens resistentes às crianças, achando que elas não vão conseguir abrir. Mas resistente não significa à prova de criança.

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Sobre o autor

Giselle Ulbrich

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