Curitiba

Casas de vila chamada de Haiti por Luciano Huck são desmontadas pela prefeitura

O “Haiti” do apresentador Luciano Huck amanheceu na última quarta-feira (12) com barulhos de marteladas e caminhões de mudança. Cerca de 70 famílias que moram bem no final da Vila 29 de Outubro, no bairro Caximba, em Curitiba, tiveram que sair da área onde suas casinhas estavam erguidas e foram realocadas para outros terrenos vagos, mais no alto da vila. Passaram o dia desmontando e remontando as pequenas moradias de madeira. Alguns estavam indignados, porque a mudança foi comunicada de última hora. Outros estavam resignados por saber que o solo ali é instável e no futuro a região terá melhorias.

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Uma jovem de 17 anos contou que, às 6h, sua família já estava toda em pé providenciando a mudança, colocada emprestada numa outra casa da vila, pra não molhar se chovesse, enquanto a casa de madeira com piso de concreto (um luxo para muitos ali), era desmontada para ser levada a outro terreno ali próximo. “Falaram da noite pro dia. Só deu tempo de enfiar as coisas no saco e começar a desmontar tudo porque se não, até sexta-feira, derrubam as casas que ainda estiverem em pé”, disse a jovem.

Na metade da tarde, o tio dela trabalhava desmontando os últimos caibros das paredes que mal tinha terminado de construir. “Veja ele aqui, mesmo com as madeiras novas, na hora de desmontar, sempre quebra um pedaço ou outro. Agora imagina quem montou a casa com madeiras velhas e já trincadas, doadas ou que encontrou por aí. Quebra tudo na hora de desmontar e não dá pra reaproveitar. A gente estava quieto no nosso canto, falaram que não iam mexer com a gente aqui. Agora o prefeito está fazendo isso tudo só por causa daquela vinda do Luciano Huck pra cá”, lamentou um mecânico, de 25 anos.

Foto: Felipe Rosa.
Foto: Felipe Rosa.

Ele mostrou o drama de um dos moradores, que tinha já uma casinha inteira de tijolos e concretos. Como não tinha como mudar uma casa de alvenaria para outro lugar, o dono teve que se resignar em apenas juntar suas coisas e ir embora para a casa de sua mãe. “Ele saiu daqui chorando quando viu a casa toda destruída, no chão. No ano passado, o Greca passou aqui e disse que não ia mexer nesta área, que iam melhorar o lugar. As pessoas então decidiram investir. Quem pôde fez melhorias na casa, construiu em alvenaria. Agora da noite pro dia mandam a gente sair daqui, dizendo que vão construir um valetão de contenção aqui, pra não deixar ninguém avançar mais lá pro fundo”, lamentou o mecânico, que ainda comentou que a prefeitura mandou equipes para ajudar a desmontar as casas e caminhões para transportar as madeiras para o novo lugar. “Mas as equipes vieram, desmontaram de qualquer jeito, quebraram muita madeira, amontoaram tudo na frente de cada casa pro caminhão buscar e foram embora. Não ajudaram a montar”, lamentou o mecânico, que pediu para não ser identificado.

Associação

Rosenilda do Rocio Fragoso, a “Anita”, ou “tia Ni”, é presidente da Associação de Moradores da Vila 29 de Outubro. Ela explicou que intermediou a mudança com os moradores por conta de conversas que a Associação está tendo com a prefeitura de Curitiba. Pelo acordo, as casas devem sair daquele local porque o terreno traz riscos à população e a invasão já está invadindo uma Área de Preservação Ambiental (APA). “O solo aqui é hidromórfico (que se encontra saturado por água, permanentemente ou em determinado período do ano) e por isto não é saudável e indicado as pessoas morarem aqui. A prefeitura vai usar esta área para construir um grande parque com ciclovias, canchas esportivas, parquinhos. Assim que todas as casas daqui tiverem sido removidas, a prefeitura deverá fazer a limpeza do terreno para iniciar os projetos”, contou Rosenilda.

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Conforme a presidente da associação, cerca de mil famílias que moram mais no “fundão” da invasão serão removidas futuramente para novas casas da Cohab, que devem ser construídas a menos de um quilômetro dali. O restante das famílias permanecerão onde estão.

Treta Huck x Greca

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No mês de agosto, o apresentador Luciano Huck esteve na Vila 29 de Outubro, bem neste “fundão” com casas bem simples, para gravar o quadro Lar Doce lar, do programa Caldeirão do Huck. Ele pretendia reformar a casa da moradora Edilaine Aparecida de Lima, de 34 anos. Mas ele postou uma foto no seu Instagram, dizendo que ali parecia o Haiti e que o local era um antigo aterro sanitário que virou lixão.

Assim que soube da postagem, o prefeito Rafael Greca entrou em contato com o apresentador, para explicar que o local nunca foi um lixão e sim um aterro sanitário, que já está selado e fica a alguns quilômetros dali. Ainda pediu a Luciano que não fizesse a reforma da casa, porque ali era uma ocupação irregular da qual a prefeitura já estava planejando remanejar para outro local (o projeto Bairro Novo da Caximba).

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Depois da troca de alfinetadas entre os dois pelas redes sociais, Huck substituiu a reforma da casa pela doação de dinheiro para Edilaine, para ela melhorar a casa por conta própria. Também deu diversos móveis, objetos e livros para a biblioteca que a mulher mantém na vila, que atende crianças de 4 a 16 anos no contraturno escolar.

Refletindo sobre a Vida

O cortador de tecido Sidnei Marino, 28 anos, era um dos moradores da Vila 29 de Outubro que estavam desmontando a casa de madeira e a removendo para ouro terreno mais alto da invasão, esta semana. Foi vivendo o sofrimento da mudança repentina e vendo a angústia e as dificuldades dos vizinhos que alguns horizontes se abriram para o trabalhador, que pretende um dia ter dinheiro suficiente para ajudar quem precisa.

Sidnei Marino, 28 anos, era um dos moradores da Vila 29 de Outubro que estavam desmontando a casa de madeira. Foto: Felipe Rosa.
Sidnei Marino, 28 anos, era um dos moradores da Vila 29 de Outubro que estavam desmontando a casa de madeira. Foto: Felipe Rosa.

Dando marteladas e carregando tábuas, Sidnei mostrou as dificuldades daquele povo que mora bem ao final da vila. Lá não tem água e a luz, passada em fios mal encapados de uma casa para outra e arrastando-se pelo chão dos terrenos e ruas, só funciona mais ou menos durante o dia. A partir das 18h até a meia-noite, fica “variando” e nenhum aparelho funciona. “Aqui o pessoal precisa ir longe pra pegar água, trazer no lombo e deixar armazenada em latão. Nem comer direito dá, não tem mercado muito perto, tem que ir longe pegar comida, pegar bujão de gás. Hoje estamos esquentando a comida numa lata de sardinha”, disse o homem.

Depois de ver o sofrimento da vizinhança com a mudança, gente de todas as idades carregando objetos e madeiras, sem ter direito o que comer, é que uma luz acendeu na mente de Sidnei. “Isso tudo está servindo para eu refletir sobre a vida. Entender o que é a vida de uma pessoa. Se eu me der bem na vida, eu quero ajudar os pobres. Dar cestas básicas para as pessoas necessitadas, essas pessoas humildes, com escassez de tudo, de água, de comida, de moradia”, filosofa Sidnei, que um dia quer ser engenheiro civil e construir casas.

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Por enquanto, ele se resigna a levar a vida de cortador de tecidos numa indústria na Vila Zumbi dos Palmares, no município de Colombo. Lá trabalha a noite toda e vem pra casa pela manhã. Todos os dias cruza de ônibus os extremos da cidade. E nestes dias em que foi necessária a mudança da casa na vila, o único horário de sono de Sidnei foi dentro do ônibus, voltando para casa, pois assim que chegou na vila teve que trabalhar o dia todo manejando a casa e ajudando os vizinhos.

Planos municipais

Conforme o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), a prefeitura possui um projeto de grande envergadura para a região, mas é algo que só deve ficar pronto de médio a longo prazo, nas nas próximas gestões municipais. Enquanto a Cohab está negociando com o Estado e particulares (algumas das áreas invadidas estão em terreno do Instituto de Águas do Paraná e outras em terrenos particulares) áreas para a construção das moradias de interesse social – que inclusive deverão ter geração própria de energia, através de placas fotovoltaicas instaladas nos telhados – o IPPUC desenha o projeto do novo parque e urbanização de toda a região. No parque, especificamente, além do lazer e do esporte, estuda-se a possibilidade de instalar alguma atividade no local que gere renda para a comunidade, como por exemplo, uma plantação de flores. Pensou-se em hortas comunitárias, para abastecer os moradores, mas conforme estudos da Embrapa, a água no local não e própria para a produção de alimentos. O local fica no encontro das bacias dos Rios Barigui e Iguaçu e por isto os fundos da Vila 29 de Outubro tem o solo tão instável e “brota” água do chão. A preocupação da prefeitura em remover urgentemente as famílias daquela área é porque muitos estão aterrando o local com caliças e construindo em cima.

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O IPPUC ainda informou que a prefeitura está buscando financiamento externo com a Agência Francesa de Desenvolvimento e com o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Só a parte de projetos, quando empresas concorrem à licitação para montar o projeto executivo da obra, está orçada em R$ 1,5 milhão. Depois haverá a licitação para as obras (orçadas em R$ 200 milhões).
Enquanto os projetos e obras não saem, diz o IPPUC, a prefeitura está fazendo o que pode para amenizar os impactos à região. Além da remoção das famílias para áreas mais seguras, a Associação das Empresas da Cidade Industrial de Curitiba (AECIC) ofereceu seu espaço à prefeitura para oferecer cursos de capacitação profissional aos adolescentes locais (com professores e cursos cedidos pelo Senai), para que possam ser absorvidos até mesmo pelas próprias indústrias locais.

Sobre o que alguns moradores disseram, que só estão sendo retirados do local por causa da ida do apresentador Luciano Huck à vila, a prefeitura disse que a afirmação não é verdadeira porque a atual gestão já estava trabalhando no projeto de urbanização do local desde o ano passado.

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Giselle Ulbrich

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