Uma viagem gastronômica pela Espanha das castañetas “y otras cositas más”

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Andei meio sumida por força do ofício. Ser jornalista de gastronomia vai muito além da tarefa de provar pratos e restaurantes, o que muita gente acha que é uma simples atividade de sentar-se à mesa e se entregar aos prazeres da gula. Escrever sobre comida exige estudo, aprofundamento e construção de repertório. Por isso, quando vi diante de mim a oportunidade de participar da 21ª edição da Madrid Fusión, arrumei as malas e fui, para uma verdadeira viagem pela gastronomia da Espanha.

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O Madrid Fusión é um dos maiores eventos de gastronomia do mundo. Foto: Guillermo Navarro, Madrid Fusión 2023

Quem nunca foi a uma feira de gastronomia dessa magnitude, não faz ideia do verdadeiro caldeirão que é, ainda mais se tratando de uma dedicada, em sua maior parte, à comida e bebida espanhola. É preciso avaliar bem a programação e selecionar o que mais agrega – ao profissional e ao que pode ser compartilhado com você, leitor.

Entre tudo o que aconteceu – e não foi pouca coisa nos três dias de evento-, me chamou a atenção a área organizada pelo time do Tasting Spain. Sim, o nome está em inglês porque a maior parte das pessoas que vai à península ibérica a turismo, é de língua inglesa ou tem um conhecimento aprofundado do idioma. Não é preciso dizer que em um território de 500 mil metros quadrados, variedade de pratos e ingredientes é o que não faltam.

Aulas e afins

De cara, me deparei com o chamado para as aulas de gastronomia regional (de hora em hora) e aulas de vinho. Como tinha uma programação intensa de palestras, com nomes como Andoni Aduriz (que deu uma aula sobre aproveitamento máximo de alimentos), Dabiz Muñoz (eleito o melhor chef do mundo pelo The Best Chef Awards), Quique da Costa (Denia e Deessa) e Irmãos Roca (El Celer Can Roca), sem falar na portuguesa que é um estouro, Marlene Vieira, me agilizei para participar da primeira.

O tema era comida de Sevilha, que fica na região da Andaluzia, no Sul da Espanha. Por conta da correria da vida acadêmica em Córdoba, onde estive fazendo uma investigação acadêmica em 2015, não consegui ir à terra onde o flamenco reina absoluto e ter a chance de provar alguns pratos de lá me levou a viajar sem sair de Madrid.

Como de praxe, em eventos como Madrid Fusión, marcas costumam firmar parcerias para promover seus produtos. Foi o caso da Arturo Sanchéz, que incumbiu o chef Javi Abascal, do Lalolla, de Sevilha, a preparar ao menos um prato que tivesse relação ao jamón, o presunto cru espanhol produzido a partir de porcos alimentados pelas bellotas, espécie de castanha que só dá por lá. Aqui, vale um adendo: o ingrediente também se faz presente em Portugal, em especial, na região de Barrancos, na fronteira com o país vizinho.

O jamón, presunto curado espanhol, é uma das partes mais valorizadas do porco ibérico. Foto: Divulgação/Arturo Sánchez

O que me chamou a atenção, de cara, foi o prato a ser preparado pelo chef: steak tartar, o preparo de carne crua de origem bávara que se disseminou pelo mundo (recomendo fortemente o preparado no Taj, em Curitiba, e o servido no JnCquoi, em Lisboa). E aqui entra a mágica: o mignon era de porco e com um toque especial.

Para emulsionar a mistura do mignon (ou, solomillo, como dizem os espanhóis) picado a faca, o chef usa a gordura do porco, que, para nós, seria o equivalente à banha, que, ficou provado, é um produto bastante saudável ao ser incorporado nas receitas de que come carne, é claro.

Chef sevilhano Javi Abascal usa a banha de porco ibérico para preparar steak tartar no Madrid Fusión. Foto: Gisele Rech

“A gordura do porco serve para dar a liga e deixar um leve sabor de defumado, tão típico do jamón”, explicou o chef. De tempero, apenas um pouco de sal e estava feita a mágica. Como queria trazer essa banha tão especial pro Brasil!

Miúdos

Antes de trabalhar com gastronomia com mais afinco, confesso, tinha alguns preconceitos gastronômicos. Demorei anos para provar, por exemplo, rabada. E, minha primeira experiência, foi na versão espanhola: o rabo de toro de Córdoba. Paixão à primeira garfada!

Das moelas, menu recorrente na cozinha da minha avó materna, passava longe na infância e adolescência. Mas, aprendi a apreciar o prato em locais como o Bar da Dona Onça, que a chefaça Janaína Rueda comanda no edifício Copan, em São Paulo.

Então, por que não provar as Castañetas al Oloroso, preparada pelo chef Javi Abascal? As castañetas nada mais são que as amígdalas dos porcos – neste caso, em específico, ibéricos, algo equivalente ao timo (ou mollejas, em espanhol) do boi. Este último, vale lembrar, é muito comum nos assados de Argentina, Uruguai e Paraguai.

Castañetas al Oloroso degustada durante o Madrid Fusión – era tão boas que até perdi o foco, literalmente. Foto: Gisele Rech

O sabor é suave e a textura macia, um deleite para a boca. O chef explicou que, tal como o timo, a iguaria costuma ser preparada na brasa. Mas, na aula em especial, o preparo foi em forma de ensopado com vinho oloroso, que, vim a saber, é um vinho fortalecido bem típico do Sul da Espanha.

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O prato era tão, mas tão saboroso, que logo fui pesquisar se o ingrediente em questão está disponível para venda no Brasil – nunca tinha visto. Em conversa informal com a chef Eva dos Santos, à frente do Quintal do Porco, de Curitiba, soube que essa parte do animal não costuma ser comercializada no Brasil por questões burocráticas.

No entanto, como aqui a curiosidade – e a gula – falam mais alto, conversei com o André Santin, à frente da Santan (escrevi sobre o projeto no Bom Gourmet) e da produção de porcos orgânicos lá em Barracão, na fronteira com a Argentina. Ficou a promessa de ir atrás da certificação. Já estamos na torcida por aqui.

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