Senhor Pulguento

Seu Aristides era morador de rua há uns quinze anos.

Antes que as pedras sejam arremessadas, digo logo que ele nunca foi ladrão, bêbado ou vândalo. Simplesmente adotou as ruas por um desses descaprichos do destino.

Vez ou outra aparecia no hospital em busca de algum curativo ou medicamento. Consigo trazia os cacarecos, sacolas e cobertores de quem vive num acampamento ambulante. Tagarela, sempre falava de Senhor Pulguento, um cachorro encardido, mas educado o suficiente para esperar seu dono lá na rampa das ambulâncias.

Mesmo com a saúde frágil, seu Aristides nunca topou sair das ruas. Nem mesmo cogitava a possibilidade de ser recolhido em albergues nos dias mais frios ou chuvosos. Em seu universo particular, acho que só cabia mesmo o Senhor Pulguento.
Conheci seu Aristides numa dessas madrugadas geladas, quando foi trazido com hipotermia pela Guarda Municipal. Com quase 70 anos nas costas, confesso que na hora tive a certeza de que ele estava morto. Contudo, depois de dois litros de soro aquecido, sua ressurreição nos surpreendeu por completo. Mais tarde ele tomaria uma sopa, um banho quente e logo partiria com Senhor Pulguento debaixo dos braços.

Passados dois anos, acabei ouvindo no refeitório do hospital que de novo seu Aristides tinha sido internado por hipotermia. Só que dessa vez não houvera ressurreição.

Com um pressentimento ruim, acabei o almoço e fui apressado até o acesso da emergência. O cachorro estava lá, todo encolhido na calçada.

Vamos cuidar dele, seu Aristides.

Descansa.