Os sabotadores

Júlio era um sabotador e eu nem desconfiei disso.

Seu caminho cruzou o meu quando chegou ao pronto-atendimento com uma dor abdominal fulminante.
Enquanto era medicado, fui conversando para entender o que estava acontecendo. Em poucas palavras, ele afirmou não ter nenhuma doença pré-existente, disse não usar remédios e alegou não ter vícios que pudessem ser relacionados com o que estava sentindo.

Entre vômitos e vômitos, passamos a tarde tentando melhorar sem sucesso o seu quadro clínico. Uma luz seria acesa apenas ao final do dia, quando sua esposa chegou ao hospital.

Ao explicar a ela toda a dificuldade de aliviar os sintomas de Júlio, acabei sendo surpreendido. Numa delação digna de ser premiada, ela revelou que há anos seu esposo bebia um litro de cachaça, todos os dias. Tudo devidamente acompanhado de muitos maços de cigarro.

Os sabotadores da própria vida são personagens curiosos e diários da rotina médica. Geralmente são homens que, numa espécie de suicídio em longo prazo, uma hora acabam caindo sem paraquedas na sala da emergência. De maneira infantil mentem para o médico, comprometem seu diagnóstico e, com a mesma inocência, ignoram qualquer tratamento proposto. É o tal do livre-arbítrio sem sentido, no qual o sujeito se aprisiona e se afunda em seus vícios e escolhas equivocadas.

Aos 38 anos, Júlio foi diagnosticado com cirrose hepática. Uns dois anos depois, a coisa toda evoluiu para um carcinoma avassalador.

O final da história?

Bem, talvez seja melhor perguntar para a viúva de Júlio.