Melhor amigo

Tem coisas que você acha que não vai mais ver. E você vê toda semana.

Plantão de sábado, o pronto-socorro está lotado. Enquanto tento encontrar um bebedouro que funcione, ouço uma gritaria lá na recepção.

Putz, grito de criança.

Quer ver eu assustado? Coloca uma criança gritando na entrada do PS. A porta se abre e um guarda municipal entra com a pequena Beatriz no colo, toda ensanguentada. Ataque de Pitt Bull dentro de casa. De novo. Atrás do guarda vejo os pais da criança. Pálidos, em choque.

Como sempre, a pediatria está atolada de pacientes. Para adiantar o serviço, acomodamos a menina na maca, tentando avaliar a gravidade dos ferimentos. Fecho os olhos, tento raciocinar, peço luz. Respiro fundo e rapidamente levanto com os pais o histórico médico da paciente para alergia medicamentosa e vacinas. Oito anos, peso aproximado de 30 quilos.

Realizamos analgesia e medidas compressivas nos ferimentos mais profundos. Os gritos ecoam no meu cérebro. Que palavras uso para acalmá-la?

Com dificuldade tentamos lavar o delicado rosto de Beatriz, região aparentemente mais machucada. Caramba, quanto sangue. Que diabos esses pais têm na cabeça? Mais uma vez escuto a mesma conversa de todas às vezes: o cachorro nunca fez isso, sempre foi mansinho, nunca avançou…

A pediatria chega apressada, para alívio de todos. A conduta adotada foi realizar o procedimento no centro cirúrgico para sedar a paciente e realizar os reparos de músculo e pele com mais segurança e tranquilidade.

Nem vou colocar o número de pontos realizados porque você realmente não iria acreditar.

Estruturas anatômicas, como os olhos, foram preservadas. A função neurológica também não foi atingida. Contudo, Beatriz precisará passar por cirurgias plásticas por um bom tempo.

Pitt Bull, Rottweiller, a ‘marca’ pouco importa. Se você acha que entende a natureza desses animais, é porque nunca viu os pacientes que chegam por aqui.

OLHA SÓ:

Em 2011, foram registrados no Paraná 37.604 acidentes envolvendo ataques de cães. Uma média de 103 ataques por dia. (Fonte: SESA-PR, 2012)