Código 4

E o condutor aperta com força o acelerador. Somos nós, voltando para a base após atender a um código quatro. Abro a janela da ambulância, preciso do vento no meu rosto. A cada código quatro que atendo, envelheço uns dez anos. Sabe, na média quatro pessoas são atropeladas por dia, aqui em Curitiba. No Paraná, em 2012, mais de seis mil pessoas foram atendidas pelo mesmo motivo.

Não posso afirmar, mas tenho uma forte suspeita de que o fone de ouvido tem sido cúmplice de vários destes atropelamentos, principalmente entre os mais jovens. Nossa paciente de agora há pouco estava com um belo par de fones, daqueles bem coloridos.

Verdadeira praga eletrônica, os fones de ouvido estão cada vez mais presentes, potentes e melhor ajustados à cabeça, o que praticamente isola sonoramente a pessoa do contato com os demais personagens do trânsito.

Nossa ocorrência foi na Marechal Floriano, na região do Centro. Nos últimos cinco anos, essa avenida tem batido um recorde macabro da cidade, acumulando mais de 160 atropelamentos. A maioria deles acontecendo na canaleta dos ônibus, onde a gravidade dos ferimentos costuma ser amplificada pelo tamanho dos ônibus biarticulados. Sem exagero algum, é como você ser acertado por uma carreta.

Mas voltando à porcaria do fone de ouvido, além do excesso de volume causar uma lenta perda auditiva, ele ainda potencializa a gravidade do acidente, pois a pessoa costuma ser pega em completa surpresa. O resultado muitas vezes é a morte, invalidez, ou politraumatismo, o que invariavelmente envolve uma reabilitação longa e dolorosa.

Faz algum tempo, perdi a pretensão de convencer as pessoas a mudarem hábitos que consideramos perigosos. Perdi essa inocência quando descobri que apenas tragédias pessoais promovem, de fato, alguma mudança. Sinceramente lamento que a tragédia de hoje não mude a estatística de amanhã. Céu nublado, olho para cima e peço para que esse plantão acabe logo. E só para constar em algum lugar, código quatro é paciente em óbito.