Falando sozinho por aí

Pode parecer estranho o que vou dizer: mas eu não tenho celular. Nunca tive. Para não dizer de boca cheia, nunca tive, tive somente uma vez, há quinze anos, quando meu filho comprou um novo e me deu o dele para eu ver as horas. Era um velho modelo com marcador digital de horas e me ajudava a controlar o tempo durante minha caminhada matinal no parque. Usei pouco porque naquele tempo raramente andava no parque. Depois de algumas semanas, eu me esqueci onde o coloquei e não senti saudade. Por isso, para efeitos práticos, nunca tive, porque não o usei para me comunicar ou receber chamadas.

E não tive por birra ou coisa parecida, mas por falta de necessidade. Em casa tenho telefone fixo e no trabalho outro sobre a mesa. Minha vida é do trabalho para casa e vice versa. Se vou ao restaurante, cinema ou livraria, lugares nos quais não quero ser interrompido, não faz sentido usar celular. Se estou no médico, mesma coisa. Se viajo é para descansar e não para ser localizado. Se vou à praia, é para esquecer que existem problemas – embora saiba que eles me esperam quando eu voltar. O celular num lugar de lazer é um amigo da onça – para quem não conhece, a expressão quer dizer aquele tipo de amigo que só arruma problemas.

Não acho a invenção uma porcaria. Acho engenhosa e útil se usada quando necessário – mas seu uso banalizou. O celular, assim como o computador, é usado na maior parte para coisas fúteis, quando não, idiotas – e não incluo namoro e paqueras nestas categorias. O uso banal subverte o conceito revolucionário das duas invenções – celular e computador – que nos últimos tempos se interligam no que se refere a tecnologia. O celular é fantástico, mas quase sempre usado de forma cretina por um bando de gente. É a impressão que me fica quando ouço pessoas falando sozinhas pelas ruas da cidade.

De cada dez, oito ou nove são conversas banais – desnecessárias ou sem importância. Por exemplo, no ônibus falam sozinhas coisas absurdas, quando não cabeludas, como estivessem num banheiro, contando fofocas. Outras contam os pontos dos ônibus: ‘Ah, agora estou na Praça do Japão. Olha entrei na República Argentina. O Portão está chegando. Nossa, como tem gente no Palladium?‘. Coisa de maluco. A garota narrava o percurso como locutor de futebol. Outra mulher berrava: ‘Coloca água para ferver que estou chegando em casa‘. Sem contar confidências desnecessárias: ‘E aí, menina, rolou? É. Foi bom? Nooossa!!! Que massa, hein?‘. Talvez não seja o que a gente pensa, mas leva a gente a pensar em coisa que não é de interesse público.

Este o aspecto abominável do celular. Transformou o mundo num bando de falantes solitários, como zumbis sonâmbulos – ou vice-versa – expondo pelas ruas intimidades, fraquezas e boçalidades. Por mais que seja um invento fantástico, o celular deixou o homem menos civilizado, sem recato, numa espécie estranha de primitivismo, pois o impulsiona a se revelar de forma como nunca antes fizera na história da humanidade. Quem não gosta de ouvir que se dane. E se não quer ouvir que ande por aí com tampões nos ouvidos. E como não faço isso, me tornei numa espécie de confidente da humanidade. Eu estou sabendo de quase tudo.