As árvores da Rua Fernando Amaro

Há algumas semanas eu e Aliocha, aqui da Tribuna, fomos na casa de Sicupira, que mora na rua Fernando Amaro, no Alto da XV. Era de manhã, achamos vaga e estacionamos o carro. Uma vez na calçada, fomos atraídos por uma cena majestosa. Sicupira ainda não tinha aparecido e a gente ficou perplexo com um detalhe que às vezes passa despercebido quando está rodando pela cidade, preocupado com o trânsito, que com qualquer outra coisa – e se preocupar com o trânsito é fundamental, principalmente para quem está ao volante. As árvores.

Eu me lembrei da música de Arnaldo Antunes em que ele diz que as árvores são fáceis de achar, elas ficam plantadas no chão, mamam do sol pelas folhas e pela terra, também bebem água e cantam no vento. As árvores ficam paradas, enfileiradas uma a uma na alameda, elas nunca se deitam, elas crescem como as pessoas, são maiores, mas ocupam menos espaço. Árvore da vida, árvore querida. Provavelmente ele não escreveu estes versos para aquelas velhas árvores da rua Fernando Amaro. Mas estes versos caem como uma luva nelas, ou como  saudáveis gotas de água da chuva em sua folhas.

Porque as árvores daquela rua são fascinantes. Velhas e grandes árvores nos dois lados da via, formando um túnel de folhas verdes, dando para a paisagem urbana um toque lírico, numa região de concreto quase absoluto. Sobrevivendo num ambiente hostil, na mesma terra em que outras árvores e suas descendentes foram hegemônicas por centenas, milhares, talvez milhões de anos antes de o homem dominar a superfície do planeta. As velhas árvores ainda estão lá. Talvez as últimas grandes árvores daquele bairro.

E não eram duas ou três – muitas, velhas, longilíneas, com enormes e múltiplos galhos cobertos por vegetações, árvores cabeludas como diria Arnaldo Antunes, alguns galhos tocando janelas de quartos no quinto e sexto andares de edifícios residenciais. Eu fiquei na calçada fascinado, olhando aqueles galhos acariciarem as janelas dos apartamentos e imaginando um pouco do reconforto que deve ser para quem mora neles, lá no alto daqueles edifícios, acordar de manhã e olhar pela janela do quarto ou da sala e ver o galho de uma árvore, como a acenar num alerta de que o nosso mundo é primordialmente vivo – e a vida não é apenas animal. Mas, também, e principalmente, porque dela depende a vida animal, as árvores.  

Esta cena, sim, eu sei, se repete na rua Bruno Filgueira, no Água Verde. E em outros poucos pontos da cidade, como o Bigorrilho. Apesar do crescimento desenfreado dos prédios, as árvores ainda estão por aí, nas calçadas, tentando sobreviver e tentando não incomodar o homem que, na sua pressa, se esquece de que precisa delas. Naquele dia eu fui dormir pensando nas árvores da Fernando Amaro. Pensando que elas precisam de cuidados, para não cair em cima de casas e carros numa tempestade qualquer pois, como todos sabem, as árvores também envelhecem, como os seres humanos, suas raízes ficam frágeis, como as pernas dos seres humanos, e elas caem e morrem – como os seres humanos. Isto não quer dizer que elas devam ser retiradas. Ao contrário, devem ser tratadas com carinho, como devem – ou deveriam – todos os seres humanos. Mas isto será assunto para outro dia.