Uma convivência possível

Ivan Schmidt

A primeira viagem de trabalho da nova secretária de Estado do governo norte-americano, Condoleezza Rice, a vários países europeus e do Oriente Médio, coincidiu com o auspicioso anúncio bilateral da cessação de operações militares e hostilidades recíprocas entre Israel e a Autoridade Palestina.

O anúncio foi feito em conjunto pelo primeiro-ministro Ariel Sharon e Mahmoud Abbas, nesta terça-feira, no primeiro encontro de cúpula árabe-israelense após a morte de Yasser Arafat, a quem muitos observadores internacionais consideravam um entrave à proclamação da paz. A eleição de Abbas, político moderado e herdeiro presuntivo da missão não completada pelo líder falecido, segundo os mesmos observadores, foi fator decisivo para a aproximação diplomática com Israel e o estabelecimento das condições mínimas para o início do entendimento há muito reclamado pela comunhão internacional.

No início da semana, a secretária de Estado esteve em Israel e em territórios palestinos, reiterando que o conflito no Oriente Médio continua sendo o principal tema da política externa do governo Bush. Ao deixar a região com destino a Paris, onde se encontrou com o presidente Jacques Chirac, Condoleezza levava na bagagem informações fidedignas sobre a esperada disposição de israelenses e palestinos assumirem diante do mundo um compromisso sério pela pacificação.

Imagina-se que parte das conversas de Condoleezza com autoridades de ambos os governos serviu para sedimentar ainda mais entre eles a necessidade de entendimento, tendo em vista uma situação fora de controle e com potencial suficiente para transformar-se, em curto lapso, em nova guerra mortífera com alto teor de irradiação para os demais países da região.

Dessa forma, a estréia da secretária de Estado foi exitosa, a julgar pelos bons resultados de sua passagem pelo cenário de um conflito não declarado que se estende há quatro anos. O acordo selado por Sharon e Abbas deve ser aplaudido sem restrições. Sem entrar no mérito da questão, quanto às habilidades propriamente ditas da assessora mais próxima de Bush, o momento é de reivindicação da pesada responsabilidade que o governo norte-americano tem na obrigação de reconstruir uma região marcada pela guerra, fruto da política intervencionista e discriminatória praticada tanto no Oriente, quanto em outras partes do mundo.

Para o governo Bush seria impensável arcar com os reflexos inevitáveis de nova guerra no Oriente Médio, diante dos ruinosos efeitos ainda verificados com a invasão do Iraque, e a ameaçadora situação do Irã.

Há tantos problemas intrincados à espera de solução satisfatória entre israelenses e palestinos, quanto pedras nos empoeirados caminhos dos antigos cenários bíblicos. Se não faltar disposição e espírito desarmado aos negociadores de ambos os lados, situação de risco iminente ante a inesperada reação das inúmeras facções palestinas, sobretudo, mas também dos colonos judeus, todos aguardam com ansiosa expectativa o bom termo das conversações.

Ainda não eram conhecidas as posições de grupos radicais como o Hamas, Jihad Islâmica e Brigadas Mártires de Al-Aqsa, entre outros sem tanta publicidade, horas depois da proclamação de Sharm el-Sheikh, balneário egípcio às margens do Mar Vermelho, onde os chefes de Israel e Autoridade Palestina anunciaram o cessar-fogo e a suspensão dos ataques terroristas.

Espera-se que a liderança política de Abbas, a quem o próprio Arafat indicara como sucessor, consiga realizar o que muitos achavam impossível: serenar os ânimos das milícias atuantes na Faixa de Gaza e na Cisjordânia e, em prazo mais longo, lograr o ideal do completo desarmamento. Tal atitude deve ter sua correspondência em território israelense, sendo também esta uma espinhosa tarefa, tendo em vista que o governo de Sharon deve tomar providências para a devolução dos territórios árabes ocupados até agora e libertar centenas de palestinos presos em Israel.

A convivência pacífica entre árabes e israelenses não é impossível, mas será trabalhosa. Um desafio diuturno para as autoridades responsáveis por manter desobstruídos – de parte a parte – canais até aqui entulhados pelo ódio nacional, pelo desejo de vingança e pela intolerância mais crassa e obtusa.

O mundo assistirá com o máximo interesse cada homem de boa vontade rezando à sua maneira, pelo sucesso das negociações entre os descendentes de Isaque e Ismael, filhos de Abraão, há séculos separados por inimizade sem nenhum argumento a favor, a não ser conceitos de natureza místico-teológica que a própria história se encarregou de sepultar.

Ivan Schmidt é jornalista.