Pode-se justificar a tortura?

Dieter Grimm

Nem é preciso procurar muito por um padrão de argumentação. Caifás já o utilizou, ao questionar se não seria melhor um só homem morrer pelo povo, em vez de perecer a nação toda (Jo 11,50). Generalizando, isso quer dizer que o sofrimento de uma pessoa, ou seja, uma pessoa com más intenções, pode poupar muitos inocentes de sofrimento. De um ponto de vista jurídico, daria para se referir a um argumento de proporcionalidade. Critérios de proporcionalidade podem muito bem levar a afirmações relativas.

Tortura e escravidão são consideradas violações de um bem de direito não apenas relativo, mas absolutamente digno de ser protegido, algo que escapa à comparação com outros bens de direito. A Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos caracterizam este valor absoluto como "dignidade inerente a todos os membros da família humana (no Pacto: inerente à pessoa humana)".

Será que uma comunidade fundada na dignidade humana pode se defender ou defender seus membros, questionando a dignidade de inimigos ou criminosos? Este questionamento é muito mais profundo do que a tão difundida questão sobre até que ponto se deve autorizar ou não a limitação da liberdade individual, a fim de assegurar a liberdade geral. Trata-se de uma questão a ser solucionada através do critério de proporcionalidade. No entanto, se uma sociedade compromissada com a dignidade humana deve ou não defender a ordem e a vida ou a liberdade de seus membros através da negação da dignidade de terceiros é uma questão diferente. Isto exige uma resposta categórica.

A resposta é a seguinte: ao recorrermos aos mesmos meios utilizados por agressores e terroristas, abdicamos daquilo que basicamente nos distingue deles. Corremos o risco de contradizer os princípios máximos impostos a nós mesmos e de violar a proibição de desrespeitá-los no trato com outras pessoas. Isso também explica por que as torturas praticadas em nome dos EUA (por sua incumbência ou não é uma questão ainda não esclarecida) chocam mais o mundo que atos semelhantes por parte dos chamados estados vilões. Os Estados Unidos contradizem com isso os princípios com os quais se comprometeram solenemente e aos quais se remetem na luta contra os déspotas.

Em Israel, um país que vive sob a constante ameaça de terrorismo e volta e meia cai na tentação de recorrer a todos os meios possíveis para se defender, a Corte Suprema pronunciou a seguinte sentença: mesmo em caso de uma bomba-relógio, não haveria o direito de usar de violência contra um suspeito de terrorismo em um interrogatório. Algo que faz parte da essência da democracia é o princípio de que ela jamais poderia recorrer aos mesmos métodos usados por seus inimigos. "A luta contra o terrorismo não justifica a violação dos princípios básicos de direito. É justamente isso que nos distingue dos terroristas."

(De: O que importa é o princípio. Pode-se justificar a tortura?, em Süddeutsche Zeitung).