O futuro e a muralha dos impostos

Ao expressar, mais uma vez, seu otimismo em relação ao futuro, prevendo que o Brasil estará seguramente no bloco dos ricos em menos de duas décadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva certamente imagina a necessidade de fazermos, já, uma reforma tributária em profundidade, sem a qual sua expectativa não terá nenhuma condição de prosperar. O que se fez em matéria tributária, de 1988 para cá, foi um arremedo de reforma. Decidiu-se na Constituição de 88 mudar a feição tributária centralizadora, imposta pelas reformas dos anos 60s, que permitiu ao governo da União utilizar amplamente os impostos como instrumentos de incentivo a setores da economia nacional. Mas a excessiva centralização acabou tornando estados e municípios extremamente dependentes da União. Por isso, a alternativa era descentralizar a política tributária, perdendo a União alguns direitos, entre os quais o de conceder isenções de impostos estaduais e municipais. Em conseqüência, os recursos foram reduzidos, obrigando a União a procurar formas de recuperá-los. Originou-se uma sucessão de contribuições e de impostos, além da elevação de alíquotas de tributos não sujeitos à partilha com estados e municípios.

O resultado surge, hoje, no excepcional desempenho da voraz política tributária. Nesse mês de fevereiro, os índices apontam para uma carga tributária de 36,76% do PIB – cerca de R$ 650 bilhões – a mais elevada desde 1947. O recorde de arrecadação também indica a expansão das distorções que, teoricamente, foram corrigidas em 88, ou seja, a União continua tomando uma fatia gigantesca do bolo. Se, em 2003, ficou com 58,1% das receitas tributárias, no ano passado, este número cresceu para 58,9%, enquanto os estados caíram de 25,1% para 24,6% e os municípios tiveram sua fatia diminuída de 16,8% para 16,5%. A massa monetária significou um montante de R$ 206,8 bilhões, dos quais quase a metade entrou nos cofres do governo federal. Tal disparidade não seria tão questionada caso parcela ponderável dos recursos arrecadados fosse direcionada aos investimentos. Isso, porém, não ocorreu. Ao contrário, o gasto do governo com a máquina cresceu exageradamente, saindo de 20,5% do PIB, em 2003, para 21,3%, significando uma variação real de 8,9%. É muito.

Isso quer dizer que o governo cisca para dentro, não para fora. Ou seja, o País continua sem crescer no ritmo desejável. Os efeitos da carga excessiva se abatem sobre os conjuntos sociais e os setores produtivos, provocando efeitos diversos. O trabalhador brasileiro dá 4 meses e 18 dias de seu esforço para pagar os impostos, recebendo, em troca, serviços públicos precários. Ao adquirir um carro de mil cilindradas ou ao encher um tanque de gasolina, o cidadão deixa, respectivamente, 44% e 53% do que gastou para o poder público. As classes médias, de acordo com pesquisa coordenada pelo prof. Waldir José Quadros, da Universidade de Campinas, estão ficando mais pobres, registrando-se, em 2003, uma queda de até 14,6% na renda de determinados grupos.

No campo produtivo, o excesso de tributos está levando milhares de empresas para a informalidade. O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial calcula que 54% do comércio varejista está no mercado informal em decorrência do ?inferno tributário?. Veja-se a alíquota da Cofins, que subiu de 2% para 3% em 2000, passando, em 2004, para 7,65%; a multa rescisória do FGTS, de 40% se eleva para 50%; a contribuição ao funcionário passa de 8% para 8,5%; na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços a título de contribuição previdenciária, em 2003, é de 11%, reajustando-se em 50% as alíquotas das empresas de prestação de serviços a partir de 2004. E, agora, aparece a MP 232, onerando duramente, mais uma vez, as empresas de prestação de serviços. Só em São Paulo, os primeiros estudos indicam que a MP 232 vai tirar do estado R$ 640 milhões em um prazo de 2 anos, cortando cerca de 42 mil empregos. Não é à toa que a carga de impostos está alimentando a sonegação no Brasil.

Ao lado da montanha de recursos que a sociedade se vê obrigada a escalar, todos os dias, a política monetária federal está elevando as despesas com o pagamento de juros nominais. Em 2004, essa conta chegou a R$ 128,256 bilhões contra os R$ 125,605 do ano anterior. É verdade que o superávit primário alcançou, no ano passado, 4,61% do PIB, percentual superior à meta de 4,5% fixada pelo governo, o que, em valores nominais, significa R$ 81,112 bilhões, ultrapassando, também, a meta fixada pelo FMI, em torno de R$ 71,5 bilhões. Daí surge a pergunta: esses recursos estão sendo devidamente usados para melhorar a infra-estrutura do País? Infelizmente, a resposta é não. Como já se mostrou, o governo inchou a estrutura do Estado e os recursos a mais estão sendo para ela dirigidos.

O criador do chamado Consenso de Washington, John Williamson, no Fórum Econômico Mundial de Davos, acaba de cunhar este pensamento: ?Para estabelecer como padrão um crescimento de 5% ou mais, o país precisa de investimentos, que não virão com taxa de juros acima de 10%?. Se o papa do neoliberalismo faz essa afirmação categórica, não seremos nós a contestá-lo. Sua mensagem deve ser refletida pela equipe econômica. Resta torcer para que o presidente não se deixe iludir pelo clima de ?lua-de-mel?, propiciado pelo bom desempenho das exportações, com foco no agronegócio. O País carece de um olhar para dentro. Basta ver a situação das rodovias. Mais de 80% delas estão em estado ruim ou péssimo. Em resumo, qualquer projeção que se queira fazer do futuro nacional só terá sentido se considerar a necessidade de uma intervenção cirúrgica, e urgente, no corpo tributário. Nunca a situação mundial esteve tão propícia para permitir que o Brasil deixe de ser o eterno país do futuro e se transforme, desde já, em uma das grandes potências mundiais. Para tanto, basta termos juízo.

Rubens Approbato Machado é advogado, ex-presidente da OAB nacional e ex-presidente da OAB-SP.