O Brasil não se entrega

Max Rosenmann

Se o melhor do Brasil são os brasileiros, o pior do Brasil hoje são as nossas elites acovardadas diante de uma ordem econômica mundial que tem na subjugação dos povos e dos interesses nacionais sua lógica máxima. No Brasil da era Lula, o medo de enfrentar esse modelo perverso, que nas últimas décadas produziu a pior crise social de nossa história, com empobrecimento, desemprego e generalização da violência urbana, venceu a esperança de construir um projeto próprio para se entregar a um fatalismo econômico-financista que só interessa aos detentores do capital internacional.

Nessa política, o Brasil abdicou de buscar o seu próprio destino, se entregando a uma regra não escrita em que o nacionalismo virou palavrão. Como se os Estados Unidos – mentor maior desse cenário neo-imperialista – não estivesse se tornando cada vez mais nacionalista e capaz de qualquer tipo de violência patrocinada pelo Estado para impor seus interesses.

Mas quem se entregou a essa receita não foi o povo brasileiro – que, pelo contrário, nas eleições de 2002 ousou acreditar em uma promessa de mudança de orientação, que, como sabemos, não se cumpriu. Mas sim as nossas elites, mais interessadas em uma internacionalização com os olhos voltados para Miami do que em desenvolver um projeto de país. O povo está imobilizado pela falta de uma liderança capaz de romper com essa letargia, porque aqueles em que foram depositadas as suas esperanças se renderam ao medo e à conveniência. Se agarraram ao poder e às suas benesses como última instância da política.

As empresas brasileiras estão quebrando, o povo desempregado, os impostos sufocam qualquer iniciativa de investimento. Não há projeto nacional. A discussão se organiza sobre quem deterá o poder nas próximas eleições. Os estados e municípios não conseguem investir.

Na economia do medo não se questionam os passos, nada pode mudar, está tudo certo. Mesmo que esse certo não signifique nada para o aposentado que vive na fila do INSS, para o desempregado que se rebaixa na tentativa de reencontrar um lugar na sociedade de consumo, para o subempregado que luta pelo pão do dia sem ter nenhuma perspectiva de futuro – pois, jogado no mercado informal pela insensibilidade do Estado, não tem direitos trabalhistas, nem à previdência.

Enquanto isso, os próceres do governo comemoram o espetáculo da mediocridade e da miséria, sob os auspícios do mercado. Ajudados por uma mídia subserviente e cooptada por grandes fatias de verbas públicas, fazem festa para índices de geração de emprego incapazes sequer de absorver os novos jovens que adentram todo ano no mercado de trabalho, quiçá nos doze milhões de desempregados tratados como um desvio endêmico e desimportante de nosso sistema.

O mais chocante é que esse quadro de submissão, que tanto foi combatido pelos que hoje ocupam o Planalto, só foi agravado depois que eles chegaram lá, para a decepção de toda a nação que apostou neles com a expectativa de uma virada. Como bem apontou recentemente um dos ex-ministros do governo federal e liderança de primeira hora do PT, o partido condenou ferozmente o FMI, taxando-o de inimigo do povo. No poder, não só renovou os acordos monetários como ampliou, sem que fosse exigido, o arrocho fiscal, de 3,75% para 4,5% do PIB. O PT atacou, inclusive com campanhas difamatórias contra parlamentares, a flexibilização das leis trabalhistas. No poder, não só a defende como prega até a revisão da multa rescisória de 40% sobre o FGTS. O PT vociferava contra o excesso de medidas provisórias. No poder, já editou 124 medidas provisórias – um recorde muito além do anterior -, paralisando o Congresso Nacional. O PT encampava todas as bandeiras grevistas, especialmente dos funcionários públicos. No poder, ameaçou cortar ponto dos servidores e classificou suas reivindicações de "inaceitáveis", oferecendo-lhes pífios aumentos salariais. O PT era baluarte do denuncismo. No poder, reclama da perseguição da imprensa e do Ministério Público, a ponto de defender a Lei da Mordaça. O PT considerava inaceitável a política monetária e os altos juros. No poder, eleva persistentemente a taxa básica do Copom, permitindo os maiores lucros financeiros na história do País.

Tendo respaldo popular para implementar um projeto político de fato, o PT se acovardou, aliando-se à mesma elite entreguista que sempre condenou. E hoje assume com um fatalismo sem precedentes uma geopolítica global contemporânea que busca tornar o Estado nacional um coadjuvante nas determinações políticas, econômicas e sociais no contexto local, regional e mundial.

Um cenário onde as "empresas transnacionais" procuram subjugar os estados nacionais, através das pressões dos lobbies, do FMI, do Banco Mundial, da OMC e outros. E utiliza como uma da formas para aumentar a acumulação o acirramento da exploração da força de trabalho, o enfraquecimento das relações de trabalho para torná-lo uma simples mercadoria. O governo Lula se entregou a essa lógica com a satisfação de um novo rico que passa da senzala para a casa grande a convite do senhorio.

É hora de os brasileiros que ainda acreditam no Brasil se levantarem contra essa situação. Ou nos impomos como nação que quer desenvolvimento, ou pelos números apresentados e comemorados pelo presidente, nem nos próximos 50 anos vamos reverter esse quadro. Pelo contrário, vamos agravá-lo. O povo brasileiro não mais está em condições de esperar outro século para ver acontecer a tão falada e pouco praticada distribuição da riqueza.

O Brasil da era Lula se submete ao mercado e ao FMI como um cristão-novo, enquanto os Estados Unidos cultivam o maior déficit de sua história e a Argentina dá uma lição de soberania, sobrepondo aos seus credores o interesse nacional – coisa que nosso governo não teve peito de fazer. A Argentina conseguiu um acordo com juros menores e maior prazo mesmo tendo dado um calote no FMI, enquanto o Brasil cumpre à risca seus compromissos com o fundo, tendo inclusive elevado por conta própria a meta de superávit primário, sem nada pedir em troca, a custa do enfraquecimento do Estado e do agravamento da pobreza e das tensões sociais.

O resultado disso é que os argentinos experimentaram um crescimento de 11,7% em 2003 e 8% em 2004, ou seja, um período de dois anos, enquanto que a economia brasileira, entre 1998 e 2004, em seis anos, cresceu ridículos 14%. E enquanto o governo brasileiro posa de bom moço perante o mercado, esse mesmo mercado hoje recomenda investimentos nos nossos vizinhos argentinos, que apostaram no fortalecimento de seu mercado interno ao invés de ficarem contando com a boa vontade do capital multinacional.

Essa política de submissão tem um custo social incalculável, pois implicou na manutenção de altas taxas de juros, que provocaram recessão e desemprego. Por isso, é preciso dar um basta, redirecionando os esforços para um projeto de desenvolvimento nacionalista para combater as políticas liberais e mostrar à população a verdadeira cara do Brasil. Um projeto que invista em obras infra-estruturais de vulto, capazes de gerar empregos, renda, poupança, aumento do consumo, que incentiva o comércio, os serviços e a produção, para gerar novamente mais empregos contra os liberais que geram privatizações, enfraquecem a soberania nacional, criam desemprego.

Temos exemplos aqui mesmo de como essa virada pode se dar. No Paraná, o governo Requião inverteu a lógica do mercado, surpreendendo ao próprio mercado com resultados muito acima dos esperados. Recuperou-se a capacidade do Estado de governar pensando no interesse público. Gerou-se um novo ciclo virtuoso na economia, não com submissão ao mercado, mas trocando impostos por empregos, e livrando-se 140 mil micros e pequenas empresas de uma carga tributária injusta e desnecessária. O resultado foi mais de 200 mil empregos formais novos em dois anos, ou 700 mil postos de trabalho no total, além de 75 mil novas empresas abertas no Estado.

Enfrentaram-se interesses poderosos instalados no Estado através de contratos iníquos, que debaixo de uma pretensa regularidade jurídica escondiam esquemas de sangria da poupança pública e do patrimônio construído durante décadas de esforço popular e planejamento estratégico. E ao contrário do que diagnosticavam os catastrofistas a serviço do mercado, o resultado foi que nossas empresas se tornaram ainda mais saudáveis e lucrativas, até mesmo para os investidores privados, cujos interesses, diziam, estariam se contrariando.

Esse mesmo receituário de intervenção política séria, que coloca o interesse público em primeiro lugar, e a capacidade de superação de nosso povo como arma de avanço, pode ser adotado pelo Brasil, no rumo da formulação de um projeto nacional desenvolvimentista novo. Um projeto que tenha base no pleno emprego, no incentivo à iniciativa, que premie o esforço, que recupere a esperança. Que deixe para trás a política do medo, do entreguismo e da subserviência. Que sirva à inclusão social para resgatar e abrir o caminho para que o Brasil cumpra o seu destino de grande nação, onde a medida de todas as coisas seja a dignidade e a justiça para todos. Sem medo.

Max Rosenmann é deputado federal.