Brasil-potência?

Gaudêncio Torquato

Se avistares um gigante, observa a posição do sol, e repara se o que vês não é a sombra de um pigmeu. Novalis, poeta alemão, quer dizer, com sua frase, que a perspectiva muda o olhar. Olhando para o ranking de países de juros reais, o Brasil acaba de ganhar o título de campeão dos juros mais altos do mundo. Lendo a conclusão de estudo divulgado esta semana pelo Conselho de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, a nação brasileira, em 2020, estará ao lado da China, Índia e Indonésia, formando um bloco de potências que provocará profundas mudanças na geopolítica internacional. Bom, façamos o seguinte: coloquemos o Brasil sob o sol do meio-dia. A sombra do País corresponderá exatamente ao tamanho do território. Esta é sua verdadeira identidade. Mas se ele for exposto ao sol poente, veremos uma sombra desproporcional. Esta é a imagem que engana. Olhe-se a Indonésia, antes e depois do tsunami, que fez ali o maior número de mortes – cerca de 167 mil pessoas – deixando povo e país mais enfraquecidos. Terá a Indonésia, depois do desastre, condições de ser alçada ao pódio de potência mundial em apenas 15 anos? É improvável, apesar de não impossível.

Pretende-se dizer apenas que projeções como essa, coordenadas pela Agência Central de Inteligência, devem ser lidas com reserva. Quem não se lembra do gordão, Herman Kahn, do Hudson Institute, que, na década de 60, previa que a Ásia (sem a China, para a qual não divisou a abertura) chegaria ao princípio do século XXI com o PIB maior que o da Comunidade Européia? Ele foi o tal que defendeu a internacionalização da Amazônia, com a construção de sete barragens para gerar energia aos países sul-americanos. Projeção por projeção, fiquemos com a nossa, coordenada pelo embaixador Ronaldo Mota Sardenberg, realizada por 70 consultores em 1997, a partir de três cenários. O primeiro, chamado de Abatiapé, exibe grandes números, o segundo – Baboré – mostra um País menos desequilibrado, enquanto o terceiro, de nome Caaetê, descortina uma nação de economia estagnada no longo prazo. De pronto, descarte-se a moldura caótica pela inadequação à contemporaneidade.

É evidente que o País estará, daqui a 15 anos, bem longe dos exuberantes índices da primeira projeção: renda per capita de US$ 20.100, taxa de investimentos de 25,5% em um PIB de US$ 3.960 bilhões, e desemprego de 6,5% entre a população economicamente ativa. Menos ufanista, o cenário Baboré projeta 5,9% de taxa média de crescimento anual da economia (razoável), PIB de US$ 2.950 bilhões, renda per capita de US$ 14.950, pobreza atingindo 4% da população e uma taxa de investimento de 22% no PIB, com índice de desemprego de 5%. Neste ponto, cabe inserir a radiografia atual: renda per capita em torno de US$ 2.800, PIB aproximado de US$ 500 bilhões, taxa de desemprego por volta de 12,8% – dobro da média mundial – e taxa de investimentos que beira 20%. Como se pode concluir, a partir desses indicadores, só um milagre colocará o Brasil no mapa de 2020 imaginado pelos pensadores tupiniquins.

O recente cenário dos norte-americanos aponta "um país com vibrante democracia, economia diversificada e população empreendedora, grande patrimônio nacional e sólidas instituições econômicas". É claro que não se descartam otimistas previsões sobre a maior influência brasileira no mundo, a partir da posição de "grande exportador de petróleo". E ninguém duvida que o patrimônio brasileiro no campo da megabiodiversidade haverá de conferir grandeza à nação, abrindo múltiplas possibilidades. A dúvida é sobre a capacidade do Estado brasileiro de promover reformas profundas para gerar harmonia social, a partir de mexida na equação da distribuição de renda. Os 10% mais ricos continuam a deter metade da riqueza nacional, enquanto os 10% mais pobres possuem menos de 1%. Também se confirma a expansão das redes de solidariedade, com suas novas lógicas de cooperação e responsabilidade social. Cresce a consciência no campo da preservação ambiental. Mecanismos avançados para geração, gestão e difusão da informação na sociedade estão sendo desenvolvidos. O País avança. Mas não no ritmo sonhado.

A hipótese mais provável para que o cenário de Brasil-potência nos próximos 15 anos não se concretize está no campo da cultura política. Este é, infelizmente, o nosso tsunami. Injeta-se no corpo político o soro das mazelas que perpetuam a "herança maldita" – esta, sim, merece o epíteto – do patrimonialismo e seus "ismos" aparentados: fisiologismo, mandonismo, caciquismo, grupismo, familismo. A cultura política se banha na fonte de egocentrismo, impregnando esferas de poder nas três instâncias da federação.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político.