Brasil, campeão mundial

O Brasil consolidou sua posição de campeão mundial de juros reais (12,3% ao ano) com a taxa básica de juros (Selic) elevada para 18,75% pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Entre outras conseqüências, a cotação do dólar vai continuar desabando, garantindo a ascensão de nossa moeda ao podium da que mais se valorizou perante o dólar.

Qualquer semelhança com os quatro primeiros anos de governo de Fernando Henrique Cardoso não é mera coincidência, porque antes como agora pretendeu-se combater a inflação ignorando impactos sobre a balança comercial devidos a importações favorecidas e a inevitável perda de dinamismo das exportações.

FHC reelegeu-se, mas se perseverar a política monetária e cambial seus efeitos deletérios aparecerão fatalmente em 2006, que somados a possíveis circunstâncias desfavoráveis no campo social e da criminalidade talvez venham a frustrar o projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No final do ano passado houve quem profetizasse que o propósito do Banco Central era atingir o patamar de 20% na taxa Selic, porque assim seria possível segurar neste ano o crescimento do PIB em 3,5%, minimizando fatores inflacionários que adviriam de maior expansão da nossa economia.

O mercado mantém-se nadando de braçada com os rentistas daqui e os especuladores internacionais rindo à toa, porque não há a menor possibilidade de erro ou perda na arbitragem de suas vultosas e lucrativas operações financeiras.

O incrível é o governo fazer ouvidos moucos ao unânime protesto de confederações e federações da indústria e do comércio, de centrais de trabalhadores, de parlamentares, de economistas independentes e de membros do próprio governo, alertando quanto a repercussão que seguramente acontecerá da suspensão de empreendimentos longamente planejados, já sendo perceptíveis sinais de desaquecimento.

Como mais da metade da dívida pública é rolada com base nos juros Selic, a volúpia altista do Copom projeta-se diretamente no montante de nosso endividamento, que cresceu R$ 16,44 bilhões só em janeiro/05, tornando inócuo o esforço do ascendente superávit primário, que apesar do sacrifício imposto ao País não tem sido suficiente sequer para cobrir os juros da dívida.

Até quando o Copom abusará de nossa paciência? Talvez por um desses paradoxos das contradições planetárias, o Fundo Monetário Internacional (FMI) venha a redimir-se dando cobro a essa insensatez. A leniência do FMI permitiu que a decenal política cambial demagógica de Carlos Menem (um peso igual a um dólar) destroçasse a economia argentina, e que o Brasil mantivesse o real sobrevalorizado de 1995 a janeiro de 1999, mês em que perfilhou o câmbio flexível.

O contraste é que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou várias medidas para reduzir os juros a amplas parcelas da população: financiamentos a aposentados com descontos em folha, multiplicação do apoio creditício do Pronaf aos pequenos agricultores, incentivo às cooperativas de crédito, criação do Banco Popular do Banco do Brasil. Enquanto de um lado o governo inteligentemente irrigou dinheiro na economia para incrementar o consumo de camadas populares de menor poder aquisitivo, o Banco Central sobe há seis meses a taxa básica de juros com a justificativa de conter a inflação, que é inflada pelos preços administrados de energia e telefonia (reajustes dos contratos de privatização), petróleo, transporte coletivo, etc.

O que surpreende é a falta de ousadia e de criatividade dos sábios do Banco Central em buscar iniciativas que persigam seus louváveis planos de prevenir descontrole de preços, porém, sem altear a níveis insuportáveis a dívida pública e sem ocasionar cotação artificial do real, que a médio prazo dificilmente deixará de provocar graves turbulências na economia.

É o caso de perguntar aos guardiães da moeda por que não aumentar o compulsório dos bancos? Por que não diminuir os prazos máximos de financiamentos para segmentos de bens duráveis, que o Banco Central considere estarem com a demanda aquecida? Por que antecipar nas atas elevações da taxa Selic, sinalizando ao mercado futuro juros para cima e câmbio para baixo? Por que não escancarar a ?caixa-preta? dos setores que resistem à estabilização dos preços, seja no atacado ou no varejo, demonstrando que não se trata de monopólios ou tentativas de formação de oligopólios e que, de fato, são competitivos entre si? Por que não esmiuçar se, além dos aspectos monetários, não há outras causas de inflação que possam ser identificadas e eliminadas?

Caberia ainda indagar por que não excluir os preços administrados da meta de inflação de 5,1% para 2005? Por que não cobrar IOF (Imposto de Operações Financeiras) sobre as aplicações financeiras vindas de fora? Por que não fixar prazo mínimo de permanência para os aplicadores externos, como fez o Chile no passado e a Colômbia recentemente? Por que não distinguir claramente na ata das reuniões qual o percentual de incidência no cálculo da inflação passada e futura dos preços administrados pelo governo e dos chamados preços livres?

Não seria melhor o Banco Central ter a humildade de dialogar com a nação, buscando também harmonizar-se com os objetivos do crescimento econômico e da inclusão social, do que autolimitar-se aos seus tradicionais interlocutores, pondo em risco a estabilidade política e social?

O debate democrático é fundamental para definir as melhores soluções macroeconômicas e também da microeconomia de um país com as nossas peculiaridades, que arrosta a globalização com inúmeras vantagens comparativas e potencialidades inigualáveis, tais sejam a maior reserva de água, solo e sol para produzir alimentos com fartura e energia renovável, imensas reservas minerais, além da nossa maior riqueza, um admirável e solidário povo multiétnico. Somente com soluções brasileiras, sem necessidade de copiar figurinos alienígenas, cumpriremos nosso destino de potência mundial.

Léo de Almeida Neves é ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil. Autor dos livros Destino do Brasil: Potência Mundial e Vivência de Fatos Históricos.