O Juiz tem obrigação de aplicar medida cautelar menos gravosa

            Após a publicação da Lei nº 12.403/11, muitos advogados formularam pedidos diversos, a depender das peculiaridades de cada fato e da acusação, visando obter, a seus constituintes, soluções menos graves do que a prisão. A ementa abaixo trata de um desses casos:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ART. 44, CAPUT, DA LEI 11.343⁄06. VEDAÇÃO LEGAL. PREVISÃO LEGAL NÃO REVOGADA PELA NOVA REDAÇÃO DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072⁄90, CONFERIDA PELA LEI 11.464⁄07. PRECEDENTES. DETERMINAÇÃO, EX OFFÍCIO, DE AFERIÇÃO DA POSSIBILIDADE DE SEREM ADOTADAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS MENOS GRAVOSAS EMSUBSTITUIÇÃO À PRISÃO PREVENTIVA, DE ACORDO COM A LEI Nº 12.403⁄11, OBEDEDECENDO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL SEGUNDO O QUAL A LEI RETROAGIRÁ QUANDO FOR MAIS BENÉFICA AO RÉU.

1. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça vem decidindo no sentido de que ao acusado por tráfico de drogas, cumprindo prisão cautelar, é vedada a concessão de liberdade provisória. Tal proibição legal, contida no art. 44, da Lei nº 11.343⁄06, não foi revogada com a alteração do  art. 2º, II, da Lei 8.072⁄90, pela  Lei nº 11.464⁄07.

2. O reconhecimento da Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal no RE 601.384⁄RS, sob a relatoria do Min. MARCO AURÉLIO, com referência ao mérito deste writ, em regra, não tem o condão de sobrestar os processos pendentes de julgamento nesta Corte.

3. A vigência da Lei nº 12.403⁄11, que alterou a sistemática das medidas assecuratórias da ação penal, dotou o magistrado com um rol de medidas restritivas de direitos menos gravosas ao réu, em estrita obediência aos princípios constitucionais da presunção de inocência, ampla defesa e devido processo legal, sendo certo que a prisão preventiva, medida excepcional, se revela última providência a ser adotada, quando as demais não se mostrarem adequadas ou suficientes.

4. Ordem denegada. DE OFÍCIO, no entanto, determina-se que o Juízo a quo verifique a possibilidade de adoção de uma ou mais medidas previstas no art. 319, do CPP, em substituição à prisão preventiva, mormente por estar em jogo o direito de ir e vir da paciente.”

(STJ – HC 206729/MT – 5ª T. – Rel. Des. Conv. do TJRJ Adilson Vieira Macabu – DJe de 22.8.11. Destacamos)

  

Da íntegra do acórdão, extraem-se os seguintes fundamentos:

O EXMO. SR. MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RJ) (Relator):

Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado em favor de ALEXANDRA CASTÃO DE ALMEIDA, ao argumento que ela sofre constrangimento ilegal porque o Tribunal a quo denegou a ordem em que se pleiteava a revogação da prisão cautelar, em face da ausência dos requisitos da preventiva.

Noticia que a paciente foi presa em flagrante, no dia 08.10.10, por haver, em tese, praticado crime de tráfico de substância entorpecente previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343⁄06.

Aduz a Ilustrada Defensoria Pública que a segregação imposta deve ser desconstituída, pelo constrangimento ilegal perpetrado, pois a decisão que determinou sua prisão cautelar é desprovida dos requisitos autorizadores preconizados no art. 312 do Código de Processo Penal.

Postula o provimento do mandamus a fim de ser concedida a ordem liberatória, diante do seu induvidoso direito em responder ao processo criminal em liberdade, em obediência ao princípio da presunção de inocência.

Indeferi o pedido liminar (fls. 127⁄128).

Informações prestadas (fls. 137⁄173).

No seu parecer, o douto Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls. 182⁄185).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RJ) (Relator):

O pedido inicial, em síntese, expõe a tese da possibilidade da concessão de liberdade provisória ao acusado por crime de tráfico de drogas, a despeito do previsto no art. 44 da Lei nº 11.343⁄06. Todavia, à paciente não assiste razão, pelos fundamentos a seguir.

(…)

Outrossim, é certo que, com a vigência da Lei nº 12.403⁄11, o instituto das medidas assecuratórias da ação penal, que antes só previa a decretação da prisão cautelar, passou a possibilitar ao magistrado um rol de medidas restritivas de direitos menos gravosas ao réu, cuja finalidade permanece sendo assegurar as efetividade e utilidade da ação penal, em estrita obediência aos princípios constitucionais da presunção de inocência, ampla defesa e devido processo legal.

Igualmente, a prisão preventiva, medida excepcional, revela-se como última providência cautelar a ser determinada pelo magistrado, considerando-se motivação idônea a determinação da aludida segregação, sempre que a adoção de medida diversa for inadequada ou insuficiente, quando, após cominadas uma ou mais medidas, não se mostrarem adequadas ou suficientes e, por fim, ao ocorrer o descumprimento injustificado, por parte do réu, das medidas restritivas de direito estipuladas. Desta forma, a situação da paciente, no caso em exame, merece ser reavaliada, levando-se em conta os novos ditames legais da sistemática das medidas acautelatórias do processo penal introduzidas pela Lei nº 12.403⁄11.

Diante do exposto, conheço do habeas corpus e denego a ordem. No entanto, de ofício, determino que o Juízo competente verifique, no caso concreto, a possibilidade de adoção de uma ou mais medidas previstas no art. 319, do CPP, em substituição à prisão cautelar, mormente por estar em jogo o direito de ir e vir do paciente.

É como voto.” (destacamos)

  

N o t a s

 

        O STJ optou pela denegação da ordem após indicar os fundamentos de fato e de Direito que recomendavam manter uma medida cautelar. Todavia, em atenção à nova sistemática da Lei nº 12.403/11, concedeu de ofício a ordem para que o Juiz competente avaliasse se realmente era necessária a prisão cautelar ou se outra medida cautelar menos prejudicial poderia ser aplicada em substituição. Afinal, a paciente pôde obter sair da prisão.

            A ideia (leiga) de que a referida lei poderia ocasionar o esvaziamento imediato dos presídios e inundar as ruas de “criminosos”, embora tenha repercutido nos meios de comunicação, era, afinal, um alarme falso. O que está ocorrendo – como era de se prever – é uma análise casuística, geralmente motivada por uma iniciativa do interessado, sobre a possibilidade de substituição da prisão provisória por alguma outra medida cautelar que seja adequada a cada investigado/acusado.

            Na decisão em questão, destaca-se não somente o fato de que o STJ, cumprindo sua missão de zelar pela obediência à legislação federal, ordenou de ofício que tal análise fosse feita, como também o reconhecimento da vigência imediata do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (CF, art. 5º, XL). O efeito da retroação é precisamente o ditado pela corte superior: o dever de readequação dos decretos de prisão anteriores à nova ordem legal, na qual a privação da liberdade passa a ser, segundo o acórdão e efetivamente, a “última providência cautelar a ser determinada pelo magistrado.

 

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