A santa e a polenta

Neste segundo domingo de julho, será realizada em Nova Trento, Santa Catarina, a festa de Santa Paulina, lembrando a morte da madre, no dia 9 de julho de 1942. Vígolo, distrito de Nova Trento, onde está localizado o santuário e onde viveu santa Amábile Visintainer, recebe nesse final de semana milhares de fiéis, centenas de ônibus de romeiros, num movimento de devotos que só vem crescendo, depois da canonização em Roma, no último 19 de maio. Tanto movimento, que – teme-se – é bom conhecer Nova Trento antes que acabe. Para se ter idéia da milagrosa transformação da cidade, a empresa de ônibus Pluma oferecerá, a partir do dia 19 deste mês, viagens entre o Rio de Janeiro e Nova Trento e vice-versa. O itinerário foi escolhido em função do grande número de pessoas do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná que visitam o santuário.

Se você também está planejando uma visita a Nova Trento, para receber alguma graça, ou até mesmo interessado em coisas mais terrenas, tipo um final de semana gastronômico, ou até observar alguma oportunidade de novos negócios, passe os olhos no que tenho para contar.

Recapitulando: nasci em Nova Trento, no hospital fundado pela “suor” Paulina, pelos braços de uma Irmãzinha do Sagrado Coração Agonizante de Jesus.

Sábado passado, levei meu filho Pedro para passar férias julinas na casa da nona Cremilda Tridapalli, como todos os anos. No fim de tarde, enquanto as mulheres preparavam um “osso buco”, com talharim da brusquense confeitaria Wegner – depois da tainha frita com feijão, no almoço -, apareceu para um copo de vinho o prefeito de Nova Trento, Godofredo Tonini. Inspirado pelos temperos do “osso buco” e o vinho tinto – argentino-, é bom lembrar – o assunto à mesa foi a própria mesa: a falta de bons restaurantes italianos na cidade, constatava o prefeito Tonini.

Constatava também que a população de Nova Trento,- dez mil habitantes de muita fé, – cabe dentro de suas 40 e tantas igrejas. Uma fé que não depositam, da mesma forma, na dúzia de esforçados restaurantes locais, agora com a sacra missão de matar a fome de milhares de peregrinos.

Uma missão quase impossível, lamentava o prefeito, lembrando os nossos restaurantes de Santa Felicidade e o sonho de servir batalhões de romeiros com a tecnologia do frango com polenta da família Madalosso.

Não que em Nova Trento se “mangia male”. “Altre tanto”, é uma mesa farta e famosa, graças ao prato típico da colonização: a galinha com polenta, pra bispo nenhum botar defeito. Polenta amarela, apurada uma hora no fogão à lenha – até fazer casquinha no caldeirão – , galinha caipira ensopada no próprio molho – sem molho de tomate -, por favor -, na panela de ferro e, contornando, omelete de queijo, ensopado de repolho com costeletas de porco, aipim cozido divinamente branco e tenro, salada verde – chicória com torresmo – e o vinho tinto mais próximo.

Veramente, mesmo em Santa Felicidade, não temos aqui no Brasil meridional exatamente uma comida italiana. Temos uma colonial mesa italiana tupiniquim: o casamento tropical da “pastasciutta” com tudo o que os imigrantes encontraram disponível na terra americana. O frango, o porco e seus derivados, a abundante farinha de milho, a fécula e a mandioca, o leite para o queijo, verduras tantas. Se não é o que se “trova” em Roma, é o que temos, é coisa nossa.

Assim, por que o prefeito Tonini sente falta de bons restaurantes italianos, exatamente numa colônia italiana?

Primeiro, a falta da tecnologia do frango com polenta de Santa Felicidade, em larga escala. Mais ainda, a praga que tomou conta da mesa brasileira: o churrasco com gororobas em quilo. O reino do sal grosso, um exército empunhando espetos, que conseguiu derrubar até a brasileiríssima feijoada como prato nacional.

Em suma, foi esse o discurso do prefeito Godofredo Tonini. Com um parágrafo final: Nova Trento aguarda os primos de Santa Felicidade. Serão recebidos como parentes distantes que entram pela cozinha.

Até domingo, também dia de Santa Felicidade.