Os Sibila foram a cavalo

A fazenda do Sinhô Sibila produzia que era uma beleza. Nas leiras o que se via era um trigo viçoso, bem cacheado e amarelo como ouro. Os outros olhavam com uma ponta de ciúme e desconfiança e especulavam qual era o segredo de tamanha pujança. Parecia que as pragas desviavam das plantas. Os animais engordavam e procriavam que dava gosto de se ver.

E o velho Sibila, então? Tal como Martina, sua mulher, já andava na casa dos 100 anos, mas os dois tinham mais vigor do que muito moço por aí. Controlavam a criadagem com maestria, sem mencionar a regra de ouro: os funcionários jamais poderiam entrar em um dos cômodos da casa. Era trancado a sete chaves e só os donos tinham acesso.

Certa vez, uma criada ficou ouvindo atrás da porta do tal cômodo, logo depois que o patrão entrou e se trancafiou. Parecia ser uma conversa, mas com quem? O patrão, que se mostrava sempre altivo e cheio e de razão no dia a dia, ali representava a voz acuada que dava satisfação a outro. Sinistro! Dias depois a mulher foi descoberta e demitida.

Certa vez, não se sabe se por distração dos donos da casa ou por defeito da fechadura, a porta do quarto secreto ficou aberta. Dizem que porta aberta é um convite e a empregada o aceitou de bom gosto. Que visão! Para onde se virava, via estátuas horrendas, chifres, restos de rituais pagãos, velas enormes acesas e bacias com sangue. E o zunido, então? Causava arrepios. Vinha detrás de uma cortina na parede. Lá, havia dois grandes vidros nas prateleiras, cada um contendo uma mosca enorme, bichos medonhos mesmo! A cor meio esverdeada, ora azulada, antenas que pareciam chifres, corpo repleto de pelos escuros e o tamanho descomunal. Eram três vezes maiores do que uma vespa cavalo. Em choque, a mulher não percebeu a chegada de Sinhô Sibila. Ele brandiu um chicote, espumando de raiva: – eu disse para nunca entrar aqui!, esbravejou. A moça desmaiou e o golpe de Sibila acertou em cheio os vidros com os moscões. Um deles quebrou ainda na prateleira e o outro espatifou no chão. Libertas, as aberrações saíram voando preguiçosamente enquanto Sibila desmoronava no chão. Sua força incrível se exauriu na medida em que os bichos tomavam o rumo da plantação, desaparecendo.

O mesmo ocorreu com Dona Martina: cuidava do jardim e caiu dura de repente. Quando foram recolher os cadáveres nem pareciam os mesmos. Os velhos, que outrora tinham viço incomum, estavam decrépitos, murchos, com feridas necrosadas horríveis. As carantonhas eram de pesadelo. O sacerdote logo decretou: velório de caixão fechado!

Num dia cinzento, um numeroso séquito de carroças acompanhava o féretro, quando um galope furioso quebrou o silêncio. O comboio parou numa encruzilhada e o som do galope foi aumentando até que surgisse uma visão impressionante: era um cavalo negro, sem arreios ou montaria, com jeito de puro sangue, tinha olhos vermelhos assustadores. O bicho era imponente e serelepe: empinava e relinchava ensandecido na frente do carro fúnebre, assustando homens e animais. Os colonos garantiram: não havia animal daquele porte nas redondezas. Por um instante o cavalo parou, perto dos caixões do casal Sibila, soltou forte a respiração e saiu a galope pela mesma estrada de onde veio.

O sacerdote aproveitou a deixa e tratou logo de consumar o enterro. Por precaução puxou rezas fervorosas, que foram caprichosamente repetidas por todos para garantir que os Sibila descansassem em paz. E para sempre!

*Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.