A Biriba, o velho e os amantes

Ninguém sabia de onde vinha tanto fogo. Biriba era uma mulher já com idade avançada. Não se sabia ao certo quantos anos tinha e ninguém se arriscava a perguntar. Seu comportamento era explosivo, não se dava com nenhum vizinho, estava sempre de cara fechada. Mas com os homens era toda gentil e solícita.

Morava só com o marido. Tinha um filho único já casado e não se visitavam. O velho da Biriba trabalhava à noite. Em que o homem estava metido, também era um mistério. Era pomposo, andava sempre bem vestido: calça social, paletó, sapato sempre engraxado e chapéu. Parecia figura daqueles anúncios antigos de lâmina de barbear.

A exemplo de Biriba, também era ranzinza. Não gostava de dar trela a vizinhos. Quando queria ser sociável, fazia comentários sobre o tempo, falando alto e rindo sem motivo. Logo à noitinha, o homem dava o pinote. Biriba sempre ia acompanhá-lo. Moravam no fim da quadra e a casa ficava isolada por vários lotes vazios. Biriba se despedia dele na esquina e ficava olhando o homem avançar pelo subidão. À medida que ele ia sumindo das vistas, começava a farra.

Cigarro aceso entre os dedos ficava se ofertando aos homens que passavam, não importava se fossem casados ou não. Muitos encaravam e a festa rolava na esquina mesmo. A iluminação precária protegia os arroubos da Biriba. Toda noite a coisa se repetia, mesmo com chuva. Era só olhar na direção da esquina e dava para ver a sombrinha e o vagalume da brasa do cigarro, denunciando o fumo e o sexo compulsivo.

Um dia, o velho se cansou dos comentários dos vizinhos e contratou um detetive. Numa vizinhança em que as pessoas se conheciam até pelo jeito de andar, o estranho foi logo notado. Biriba percebeu a armadilha e tratou de sossegar o facho. Comunicava-se com os amantes por olhares.

A moratória de sexo durou pouco. Dali uns dias, sumiu o detetive. O velho se deu por satisfeito e ficou ainda com mais raiva dos vizinhos, pois achou que estavam difamando sua velha à toa. Foi o que bastou para a Biriba ressurgir com tudo. Era só o marido virar as costas e lá vinha ela de batom vermelho na boca murcha, pó de arroz no rosto e o lápis forte no contorno dos olhos miúdos e ávidos, que dava o arremate final naquela máscara enrugada. O que caísse na rede era peixe. As farras eram tantas que finalmente o velho caiu em si.

Fizeram uma reunião de família e tiveram a ideia brilhante de fazer Biriba brincar de avó. Trouxeram a netinha para passar uns tempos com a ela. Uma criança bonita que só. Devia ter uns seis anos. Foi um erro tremendo, como se viu depois. Biriba estava em outra e não queria saber de curtir netos. E o absurdo aconteceu: Biriba ensinou a menina a fumar, a fez usar maquiagem e ainda a carregava para os namoricos na esquina. Aquilo foi demais. Os vizinhos denunciaram, baixou a polícia e o escambau. Maior confusão. Dava pena de ver o velho com o rosto iluminado pelos giroflex das viaturas. A figura pomposa deu lugar a um homem desfigurado pela dor das traições.

Não sei como, ele conseguiu livrar a cara da Biriba. Dois dias depois, o velho e a Biriba se mudaram. Anoiteceram e não amanheceram: ninguém sabe que fim levou o casal. As más línguas não deixaram de pontificar que a Biriba havia se dado bem porque com certeza ia conhecer carne nova, para onde quer que fosse.

*Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.