Na reclusão, tocando em frente relembrando um herói improvável de 2001

Souza foi um dos destaques da conquista do Athletico em 2001. Foto: Arquivo/Furacao.com

Nesses dias de reclusão, lembro da última grande obra da música brasileira: “Tocando em frente”, de Almir Sater e Renato Teixeira, que um dia serão imortais. Na voz de Maria Bethânia é preciso ajoelhar-se para ouvi-la.

Cante santa Maria: “Penso que cumprir a vida/ Seja simplesmente/ Compreender a marcha/ E ir tocando em frente/ Como um velho boiadeiro/ Levando a boiada/Eu vou tocando os dias/ Pela longa estrada, eu vou/ Estrada eu sou…”

Cante um pouco mais, Bethânia: “Todo mundo ama um dia/ Todo mundo chora/ Um dia a gente chega/ E no outro vai embora/ Cada um de nós compõe a sua história/ Cada ser em si/ Carrega o dom de ser capaz/ E ser feliz…/ Conhecer as manhas/ E as manhãs/O sabor das massas/ E das maçã/ É preciso amor/ Pra poder pulsar/ É preciso paz pra poder sorrir/ É preciso a chuva para florir”

Desculpe-me, caro leitor. Eu sei, essa é uma coluna sobre futebol. Mas, me entenda: as coisas do coração não têm comando. E, nesses dias de isolamento e incerteza, são provocadas. E aí se desorganizam, alienando-nos aos seus repentes. Por ser assim, às vezes escrevo ter certeza onde quero chegar.

Esse mundo de restrições provoca o sentimento de que o tempo parou. Bem por isso, poderíamos receber um bom desconto divino no tempo reservado para a vida de cada um de nós.

Como o tempo parou, busco sustento nas lembranças.

Ontem revi aquele que, para mim, foi o maior jogo do Furacão em todos os tempos: Na Baixada, primeiro jogo da final do Campeonato Brasileiro de 2001, Atlético 4×2 São Caetano. Somo todos os minutos de jogo da sua história e não encontro nada igual dos que os seus últimos 24 minutos deste jogo.

Precioso tática e individualmente, naquele 16 de dezembro, o Furacão parecia estar executando o roteiro da versão esportiva do “De volta para o futuro”. Naqueles 24 minutos, o Athletico jogou tudo e mais um pouco do que os novos iluministas de hoje tratam como “futebol moderno”.

Histórias que marcam a nossa vida, nunca esquecemos. Visitando-as, descobrimos detalhes que nos provocam dúvidas sobre a certeza que na primeira vez formamos ea carregamos pelo tempo.

Lá e cá, o jogo não era fácil. Ambientado em uma Baixada angustiada parecendo tomar o rumo dos 2×2, ocorreu o fato mais relevante e que foi absorvido pelos gols de Alex Mineiro: aos 23 minutos da etapa final, entrou Souza, um meia de comportamento e físico tímidos, mas de perna esquerda cheia de alma e talento.

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Souza mudou o Athletico. Desmontando a retranca do São Caetano, mudou o jogo. A sua jogada para o terceiro gol (Alex Mineiro), os espanhóis, que gostam de comparar lances do futebol com quadro de arte, diriam: um quadro de Picasso.

Lembremos do gol: aos 34 minutos, pela meia direita, Souza, cercado pelos paulistas, parecendo ter olhos nas costas, viu Alex Mineiro correndo por trás, dando-lhe a bola de calcanhar, colocando-o na cara do goleiro Silvio Luiz. E, aos 46, foi da sua sagrada esquerda que surgiu a jogada que iria resultar no pênalti em Adriano, e no quarto gol, o terceiro de Alex Mineiro.

Termino de ver o jogo e começo a viver com uma dúvida: e se o Furacão não tivesse Souza naquele jogo?

No futebol, a história deveria ser mais justa com os detalhes.