Síndrome de Down terá prioridade

A Cúpula dos Chefes de Estados dos Países Ibero-Americanos, que conta com 21 países e da qual o Brasil participa, definiu 2004 como o Ano Ibero-Americano da Pessoa com Deficiência. Na última reunião, realizada em 2003, na Bolívia, foi assinado um documento que determinou a questão da deficiência como prioridade, a fim de fortalecer as instituições e as políticas públicas de inclusão dos cidadãos deficientes.

Segundo dados do Censo do ano 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14,5% da população do País apresenta algum grau de limitação ou deficiência, o que equivale a quase 25 milhões de pessoas. A Organização Mundial de Saúde estima que 10% dos habitantes do planeta são deficientes. Um dos problemas mais comuns entre os brasileiros é a síndrome de Down. As estatísticas não são claras, mas estima-se que tenham 300 mil pessoas com a síndrome no Brasil.

A síndrome de Down é conhecida, em termos médicos, por trissomia 21 e é causada por uma alteração genética nas células. O núcleo de cada uma delas contém 23 pares de cromossomos. Nas pessoas com a síndrome, o 21.º par tem três cromossomos. Os médicos especialistas no assunto fazem questão de afirmar que a síndrome não é uma doença.

A ciência ainda não sabe precisar porque essa alteração acontece. Alguns geneticistas trabalham com a possibilidade de que a idade dos pais interfere na ocorrência da síndrome. Estudos indicam que a probabilidade de gerar um bebê com Down, em uma mulher entre 19 e 24 anos, é de um para cada 1.752 nascimentos. Já nas gestantes com 45 anos, a chance é de um a cada 33 nascidos vivos.

Atraso

A chefe do ambulatório da síndrome de Down do Hospital de Clínicas (HC) de Curitiba – e mãe de um adolescente de 15 anos com Down -, Noêmia Cavalheiro, conta que os bebês que nascem com a alteração têm atraso mental e psicomotor. Em algumas crianças, a síndrome vem associada com várias doenças, como problemas no coração e catarata, por exemplo.

De acordo com ela, quando o obstetra vê a criança, já percebe que ela tem a síndrome, pois os traços físicos são bem característicos (formato do rosto, olhos puxados, pés tortos, entre outros). “Só de olhar dá para detectar 95% dos casos”, conta Noêmia. Mas há situações em que a criança não apresenta sinal algum. Assim, apenas exames comprovam a alteração. Todos os bebês com suspeitas de ter a síndrome passam por uma consulta clínica e por um exame genético chamado cariótipo, que demonstra a presença ou não de um cromossomo a mais. “Além disso, hoje existem exames sofisticados de ecografia que permitem saber se o bebê tem a síndrome ainda durante a gestação”, comenta Noêmia.

Quando a família recebe a notícia de que o novo integrante possui Down, é orientada a procurar ajuda de associações, formadas por pais que passaram pela mesma situação e por profissionais ligados à área. “É muito difícil aceitar e os pais sempre têm uma esperança. Hoje a aceitação é muito maior. Já perceberam que não é o fim do mundo, mas também não é uma maravilha. Há uma mudança de estilo de vida, mas ela continua”, avalia Noêmia.

A primeira orientação para as famílias que tenham membros com síndrome de Down é iniciar o quanto antes a chamada estimulação precoce. Com apenas alguns dias de vida, já é possível realizar com o bebê atividades de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. “A estimulação precoce, associada a um trabalho preventivo e exames, garante um bom desenvolvimento do bebê”, explica Noêmia.

Um exemplo dessa prática acontece com Victória Maria, de 1 ano e meio. A mãe, Isabel Conrado, iniciou a estimulação nela com 25 dias de vida. Ela faz fisioterapia, fonoaudiologia e aulas de música. “A música foi algo que a minha outra filha também fez. Eu quero dar as mesmas coisas para a Victória, independentemente da síndrome”, aponta. “Ela é muito participativa”.

HC precisa de um local adequado

O ambulatório da síndrome de Down do Hospital de Clínicas foi criado em 1997 e atende a 1,1 mil pacientes cadastrados, entre 0 e 52 anos. A equipe de profissionais desse setor conta com assistente social, dentista, dermatologista, enfermeira, fonoaudióloga, nutricionista, pediatra e psicóloga.

Entre os objetivos do ambulatório estão o atendimento de forma global à pessoa com síndrome e sua família; confirmação de diagnóstico, acompanhamento da saúde e atuação na prevenção e tratamento de doenças associadas; preparação a criança e a família para a inclusão em todos os segmentos da sociedade. Além de consultas e exames, as crianças são encaminhadas a atividades de estimulação, creches e escolas regulares, conforme as necessidades apresentadas. Atualmente, o ambulatório do HC atende diariamente 18 pacientes. Está necessitando, porém, de um local para atendimento diário, equipamentos, materiais e parcerias que proporcionem consultas especializadas, exames específicos e medicamentos.

Cavalos

A auxiliar de produção Marilisa Gomes Gonçalves tem um filho com síndrome de Down que é atendido no HC. Desde os quinze dias de vida, ele já participava da estimulação precoce. Quando Higor completou um ano, começou a participar da eqüinoterapia (com cavalos) na Sociedade Hípica Paranaense. “Até então, ele não sentava. Depois de seis sessões, ele foi sentar”, conta. Orgulhosa do filho, Marilisa comenta que Higor, hoje com dois anos e quatro meses, criou um vínculo enorme com a égua durante a terapia. “Eu fico impressionada pelo amor que ele sente pelo animal”, afirma. Quando era menor, Higor participava duas vezes por semana das atividades no HC. Atualmente, ele vai somente a cada três meses.

Primeiro momento é de choque

Ao receber a notícia de que o filho tem síndrome de Down, a maioria das mães fica chocada com a novidade. Mas nem todos os médicos sabem agir ao repassar essa informação. O descuido dos profissionais pode contribuir para a rejeição do bebê por parte da família.

A vice-presidente da Reviver Down – associação que orienta as famílias sobre o assunto -, Darclê Susan Westphal da Cunha, tem um filho de 15 anos com a síndrome. No pós-parto, foi comunicada que Rafael não falaria e não andaria por causa da anomalia genética. “O médico ainda disse que não era para eu esperar nada desse filho. Falou que não adiantava chorar, porque o bebê não ia voltar para o lugar de onde saiu”, conta.

Darclê é enfermeira por formação, embora não exerça a profissão. Na época da faculdade, participava do centro cirúrgico para cardíacos. “Como a maioria das pessoas com síndrome de Down tem problemas no coração, tive a oportunidade de conhecer um pouco mais. Por causa disso, soube lidar melhor com a notícia”, comenta. Rafael é totalmente independente, faz esportes e tem uma vida social ativa graças às iniciativas da mãe em estimulá-lo precocemente.

A falta de cuidados dos médicos também atingiu Marilisa, mãe de Higor. Ele nasceu prematuro e, no momento do parto, já percebeu que o filho tinha a alteração genética. “Mas o médico simplesmente não falou nada e deu alta para o bebê. Cinco dias depois, o Higor não estava bem e procurei o HC. Lá, no primeiro momento, eles já desconfiaram e encaminharam para o setor de genética. Constataram que meu filho tinha síndrome de Down”, relembra.

Direito de ser cidadão

O principal objetivo, atualmente, da Reviver Down e do ambulatório do HC é a inclusão social das pessoas com a síndrome, defendendo os mesmos direitos de todos os cidadãos. “Antigamente, a falta de informação fazia com que a criança ficasse obesa, de boca aberta e babando, gerando nos pais um sentimento de tentar escondê-la. Não saía de casa, não estudava. Ficava sem fazer nada o dia inteiro”, conta Noêmia Cavalheiro, chefe do departamento no hospital. Por causa dos tratamentos avançados e da farta orientação, a expectativa de vida das pessoas com Down pode chegar aos 70 anos.

Um dos grandes problemas está no ensino para essas crianças. A legislação brasileira ampara os deficientes no ingresso em uma escola regular. “Nenhuma escola pode dizer que não aceita uma criança com Down. Só não queremos que aconteça como obrigação. Ela deve ser incluída. Para isso, a escola tem de mudar para recebê-la”, afirma.

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