Elicarlos (9 anos) freqüenta pela segunda vez o segundo período do primeiro ciclo de uma escola municipal de Curitiba. O menino tem dificuldade de prestar atenção na aula, se distrai facilmente e fica com a mente vagando pelo ?mundo da lua? enquanto o professor está falando. Qualquer barulinho ou movimento na sala de aula já o tira da concentração. Elicarlos sofre de TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), um distúrbio que atinge 5,8% das crianças, conforme pesquisa realizada pelo psiquiatra gaúcho Luiz Augusto Rodhe.
Os sintomas do TDAH pode começar bem cedo, ainda em bebês. De acordo com a pedagoga e mestre em distúrbio do desenvolvimento Maria Cristina Bromberg, do Grupo de Orientação para o Déficit de Atenção/Hiperatividade (Gotah), apesar de não ter uma causa única comprovada, sabe-se que o fator mais importante é a hereditariedade, uma vez que é comum encontrar várias pessoas acometidas numa mesma família. ?É como ter olhos azuis ou ser canhoto?, comenta a especialista.
O DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria, adotado também no Brasil como padrão para a definição desse distúrbio) apresenta os sintomas que caracterizam o TDAH, e a freqüência com que eles devem aparecer para que se possa definir a existência ou não do transtorno. De acordo com a psicóloga Lola Ribeiro, os sintomas devem ser constantes, com duração mínima de seis meses e não estarem limitados a uma situação apenas. ?Também é necessário que eles realmente tragam prejuízo para a vida do portador?, esclarece.
Difícil convivência
O TDAH é caracterizado por uma série de problemas relacionados com falta de atenção, hiperatividade e impulsividade. Esses problemas resultam de um desenvolvimento inadequado e criam dificuldades na vida diária dos portadores. O transtorno é considerado um distúrbio biopsicossocial, pois, além do componente genético, fatores biológicos, sociais e vivenciais contribuem para a sua intensidade.
Em idade escolar, essas crianças não ficam quietas na carteira, incomodam a turma e não se organizam para fazer as lições. Além disso, têm pouca paciência para estudar e fazer os deveres. São agitadas, inquietas e têm uma capacidade incrível de fazer milhões de coisas ao mesmo tempo. ?Quase nenhuma delas associada ao tema tratado na aula?, ressalta a professora Adanairi Baumel de Andrade. Invariavelmente, é assim que começam os relatos dos professores quando se torna difícil a convivência com o portador de TDAH.
Como pode ocorrer um longo período para o diagnóstico exato do problema, a informação é fator essencial para agilizar esse processo, pois, além de atrapalhar toda a rotina da criança portadora, o TDAH costuma causar problemas para toda a família. ?Muitas vezes, chegar a refletir negativamente no relacionamento entre marido e mulher?, afirma o neurologista da infância e adolescência, especialista em TDAH, Erasmo Casela. Para o médico, o diagnóstico precoce e tratamento adequado podem reduzir drasticamente os conflitos familiares, escolares, comportamentais e psicológicos vividos por essas crianças.
Informação
As crianças portadoras de TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) sentem dificuldade de obedecer a um código disciplinar rígido |
Maria Cristina Bromberg adianta que, embora prejudique a capacidade de atenção e concentração, esses transtornos são facilmente tratáveis. A pedagoga enfatiza que o prazo médio de duração do tratamento é em torno de dois anos. ?Os casos mais leves podem ser tratados com terapia e orientação pedagógica, os mais severos podem exigir o uso de medicamentos?, atesta.
Na escola, os alunos hiperativos precisam de um tratamento diferenciado. Eles não podem estudar num ambiente com muitos apelos visuais, para que não se distraia facilmente, e os orientadores escolares devem, de preferência, colocá-los junto de alunos menos agitados. Não é só o portador que lida com os sintomas. A família e as pessoas próximas, como professores e colegas, também são afetados. Segundo Erasmo Casela, para reverter essa situação de desgaste, os professores, que costumam rejeitar as crianças portadoras do TDAH, também precisam ser informados sobre a doença para que auxiliem no combate aos sintomas. Além disso, é preciso lembrar que esse tipo de criança precisa de bastante carinho e, principalmente, de paciência. ?Não rotular e oferecer um ambiente seguro para a criança pode acelerar o processo de melhoria da doença?, finaliza.
Desenvolver as potencialidades
O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é responsável pela enorme frustração que pais e seus filhos portadores desse distúrbio experimentam a cada dia. Crianças, adolescentes e adultos, hoje diagnosticados com TDAH, são
freqüentemente rotuladas de problemáticos, desmotivados, avoados, malcriados, indisciplinados, irresponsáveis ou, até mesmo, pouco inteligentes. A maioria daquilo que se lê ou se ouve sobre o assunto tem uma conotação negativa. A razão disso é o fato deste transtorno continuar sendo pouco conhecido, apesar dos estudos a respeito terem se intensificado nas últimas décadas.
Os médicos relatam que após iniciar o tratamento, a maioria das crianças apresenta melhora significativa no comportamento na capacidade de aprendizado. Em pouco tempo elas já prestam mais atenção à aula, conseguem se concentrar melhor e já não relutam tanto em realizar tarefas monótonas e repetitivas. Com melhoria da atenção, o rendimento escolar e as notas apresentam mudanças que podem ser surpreendentes. Aquele aluno "desleixado, preguiçoso e pouco esforçado", de uma hora para outra, pode finalmente encontrar espaço para desenvolver seu potencial. "Contornando as deficiências impostas pelo TDAH, a criança pode ter um rendimento compatível ao de qualquer um", finaliza Lola Ribeiro.
As características comuns do TDAH
DESATENTO
A criança com característica de desatenção deve apresentar, pelo menos, seis destas características:
* Não enxerga detalhes e faz erros por falta de cuidado
* Tem dificuldade em manter a atenção
* Parece não ouvir quando se fala com ela
* Tem dificuldade na organização
* Não gosta de tarefas que exigem esforço mental prolongado
* Perde objetos com freqüência
* Distrai-se com facilidade
* Esquece das atividades rotineiras
HIPERATIVO/IMPULSIVO
A criança do tipo hiperativo/impulsivo deve apresentar, pelo menos, seis destas características:
* Inquietação, mexendo as mãos e os pés ou não parando quieta na cadeira
* Tem dificuldade em permanecer sentada
* Corre sem destino
* Dificuldade em fazer uma atividade quieta ou em silêncio
* Fala excessivamente
* Responde a perguntas antes de elas serem formuladas
* Age como se fosse movida a motor
* Tem dificuldade em esperar a sua vez
* Interrompe conversas e se intromete
TIPO COMBINADO
É possível que algumas pessoas apresentem uma combinação de características dos dois grupos, é o chamado tipo combinado. Outras características que podem aparecer junto com as descritas ou no lugar delas:
* Dificuldade em terminar uma atividade ou um trabalho
* Ficar aborrecida com tarefas não estimulantes ou rotineiras
* Falta de flexibilidade (não sabe fazer transição de uma atividade para outra)
* É imprevisível
* Não aprende com os erros passados
* Percepção sensorial diminuída
* Problemas de sono
* Difícil de agradar
* Agressividade
* Não tem noção do perigo
* Frustra-se com facilidade
* Não reconhece os limites dos outros
* Dificuldade no relacionamento com colegas
* Dificuldades nos estudos
SAIBA MAIS
O personagem usado para ilustrar esta página é o menino Calvin, da tira Calvin e Haroldo, criada por Bill Watterson entre 1985 e 1995.
Foi publicada em mais de dois mil jornais em todo o mundo. O menino se enquadra perfeitamente no perfil de TDAH, vivendo sempre no ?mundo da lua?, com pensamentos contraditórios e distantes dos assuntos tratados na sala de aula.
As ilustrações desta página foram tiradas de situações em que Calvin se disfarça de ?Homem-Estupendo? para tentar solucionar as questões de uma prova de história.
Watterson considarava as tiras uma forma de explorar a natureza humana.