Fármacos potencializam bactérias

Gripes e infecções cada vez mais fortes, freqüentes e resistentes aos tratamentos indicados estão se tornando comuns, devido ao uso abusivo e indiscriminado de medicamentos. Esta é hoje a principal causa do aumento da resistência bacteriana aos antibióticos. “Por causa de mutações genéticas e de uma seleção natural pelo uso excessivo de antimicrobianos, algumas bactérias se tornaram capazes de produzir enzimas que destroem os efeitos dos antibióticos”, explica a bacteriologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marise Dutra.

É o que acontece com as bactérias do grupo pseudomonas aeruginosa, segunda causa mais freqüente de infecção hospitalar no Brasil. O Ministério da Saúde informa que 15,5% dos pacientes internados no país contraem algum tipo de infecção hospitalar.

A aparente vantagem evolutiva desse microorganismo é responsável por altos índices de mortalidade por pneumonia hospitalar. “Essa bactéria é bastante preocupante, porque apresenta resistência a diversas classes de antimicrobianos. Em muitos casos, só dá para utilizar um tipo de antimicrobiano, do grupo das polimixina, que é tóxico para o paciente”, explica Marise.

Uma das conseqüências mais visíveis da resistência bacteriana é o aumento do número de medicamentos utilizados para tratar uma mesma infecção. Alguns já estão em sua quarta geração, como os do grupo das cefalosporinas, geralmente utilizados nas infecções do trato respiratório e urinário.

Quanto maior a geração, mais moderno é o medicamento. Com investimentos que chegam a custar US$ 50 milhões, os laboratórios modificam as fórmulas para dificultar a ação das enzimas das bactérias e diminuir os efeitos colaterais dos antibióticos, como a acidez estomacal. “O valor é alto, mas não chega a ser os US$ 300 milhões que muitos institutos americanos anunciam”, afirma Antônio Barbosa, presidente do Conselho Regional de Farmácia do Distrito Federal.

Para o farmacêutico, também existe um jogo comercial que muitas vezes não reflete a verdadeira resistência das bactérias aos antibióticos, mas sim a ânsia de lançar novos produtos no mercado e obter lucros. “A resistência a antibióticos no Brasil não é o que apregoam”, afirma.

Mas mesmo o lançamento contínuo de novos medicamentos não diminui a preocupação de muitos médicos, que temem ficar sem opção de drogas capazes de tratar os pacientes infectados por microorganismos mais resistentes.

Para a bacteriologista Marise Dutra, é importante que os profissionais de saúde voltem a realizar a coleta de secreções nos casos de infecção para detectar exatamente quais são os agentes causadores da doença e utilizar o antibiótico correto. Apesar de importante, a prática foi abandonada por muitos médicos, que utilizam os chamados “antibióticos de escolha” nas infecções que atacam com maior freqüência uma certa comunidade.

“Além disso, no caso das infecções hospitalares, é necessário eliminar os focos de contaminação e realizar o chamado rodízio de antimicrobianos, ou seja, modificar periodicamente a terapia dos pacientes para que não haja uma propagação muito grande de um tipo de resistência no hospital”, alerta Marise.

A resistência das bactérias aos antibióticos sempre existiu, mas foi intensificada pelo aumento do número de pessoas que têm acesso aos antibióticos. A explicação é do médico e professor do laboratório de microbiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Antônio Carlos Pignatari. “Ainda assim, o uso do antibiótico continua sendo algo fantástico, se pensarmos que antes da década de 40 as pessoas morriam por infecções simples como pneumonia e infecção urinária”.

O médico não descarta, entretanto, que o uso exagerado e indiscriminado dos antibióticos aumenta a chance de haver resistência a essas drogas. “As pessoas que acham que estão com uma infecção de garganta, por exemplo, e tomam antibióticos por conta própria, ficam mais resistentes. Nos hospitais, a concentração de pacientes muitos graves favorece o aumento de bactérias mais resistentes, já que esses pacientes tomam mais antibióticos”, explica Pignatari.

Na Unifesp, um grupo de pesquisadores do laboratório de microbiologia desenvolve há seis anos uma pesquisa intitulada “Vigilância de resistência bacteriana em infecções comunitárias e em ambientes hospitalares”. O estudo analisa as bactérias mais atuantes no Brasil e na América Latina e avalia, por meio da análise do material genético dessas bactérias e suas mutações, a evolução da resistência aos principais antimicrobianos, inclusive os mais novos no mercado.

Para Pignatari é urgente e necessário montar uma rede junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que possui uma área responsável pelo controle de infecções hospitalares, para tomar medidas que previnam o aumento da resistência bacteriana. Uma das propostas, assinala Pignatari, seria ensinar os profissionais de saúde a utilizar melhor os antibióticos, principalmente nos ambientes hospitalares, e regular a venda desse tipo de medicamento nas farmácias. (ABR)

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