Doenças cardíacas matam mais mulheres do que homens

A procura por hospitais cardiológicos por parte das mulheres chega a surpreender àquelas que sempre se preocuparam avaliar frequentemente suas condições de saúde.

Quando a gerente de vendas Vera Lúcia Carneiro Bezerra fez sua primeira consulta, segundo ela, era a única mulher no consultório.

Nas últimas vezes em que realizou exames, ficou impressionada com a quantidade de mulheres na clínica.

“A maioria era de idosas, mas algumas jovens senhoras também mostravam essa preocupação”, constatou.

A administradora conta que seu perfil se encaixava como candidata certa a algum tipo de problema cardiovascular. Fumava, não dispensava carnes vermelhas gordurosas e frituras.

Além disso, trabalhava mais de 12 horas diariamente, não preservando as horas de sono. Depois do susto provocado por uma ameaça de infarto, largou o cigarro, adotou uma alimentação saudável e intensificou suas atividades físicas.

“Sempre fui nervosa e agitada, mas a ansiedade gerada por diversas situações do dia-a-dia agravara a situação”, reconhece.

Uma pesquisa apresentada em um dos mais importantes congressos da cardiologia, nos Estados Unidos, serve de alerta para que os médicos repensem suas estratégias de abordagem com relação aos problemas do coração das mulheres.

No controle de fatores de risco para as doenças cardiovasculares, elas estão atrás dos homens no alcance das metas de controle do colesterol – inclusive no grupo de mulheres que já apresenta risco importante para a doença. É o que mostrou um estudo, coordenado pelo cardiologista Raul Dias dos Santos, diretor do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor).

Mortalidade maior

O estudo avaliou quase 10 mil pacientes (45% mulheres) em nove países, entre eles, o Brasil. Os resultados mostram que 37% das mulheres que estão no grupo de alto risco para desenvolver doenças cardiovasculares não consegue controlar o LDL (colesterol ruim) nos níveis de segurança preconizados pelos consensos médicos (abaixo de 100 mg/dL), contra 29% dos homens.

A diferença é preocupante nos dois casos, diz Santos, porque a incidência é elevada em ambos os grupos. No entanto, os números mostram que as mulheres estão mais expostas ao risco, inclusive, de morte, em função do perfil da doença no sexo feminino. “É sabido que elas, quando acometidas de infarto, têm mortalidade significativamente maior do que os homens“, explica o especialista.

A diferença entre os sexos também aparece entre os participantes do estudo que já têm a doença arterial coronariana instalada e que, nessa condição, devem manter como meta o nível de colesterol LDL abaixo de 70 mg/dL.

Nesse grupo de altíssimo risco, somente 26% das mulheres alcançaram esse objetivo contra 31% dos homens. Segundo o cardiologista, 5% é uma diferença estatisticamente muito significativa, ainda mais se for considerado que boa parte desses pacientes não tem apenas o colesterol fora de controle, mas também outros fatores de risco importantes, como pressão arterial e glicemia altos, obesidade, etc.

A discrepância entre homens e mulheres pode ser creditada ou a uma abordagem médica inadequada ou à baixa aderência da paciente ao tratamento. As mulheres apresentam sintomas muito diferentes dos homens, por isso, é mais difícil reconhecer nelas um problema cardiovascular. “Perto de 64% das mulheres nunca teve sintomas de doença cardiovascular antes de sofrerem um infarto”, admite o médico.

Para sempre

O diagnóstico inadequado, neste caso, acarretaria uma abordagem terapêutica e dietética menos agressiva para as mulheres – inclusive, para aquelas que já apresentam alto risco -, do que para os homens.

Dentro desse contexto, diz o coordenador da pesquisa, a análise de alcance de metas por sexo é particularmente importante, pois esses dados contribuem para identificar a incidência do problema, propor estratégias para melhorar o controle do colesterol especificamente na população feminina e, assim, reduzir o risco de infarto ou derrame, nesse grupo.

Embora a doença cardiovascular seja a principal causa de morte tanto para homens quanto para mulheres, o sexo feminino acumula uma série de fatores de risco que aumentam a chance de desenvolver infartos ou derrames no período da pós-menopausa – são eles a obesidade, o colesterol elevado e a pressão alta. Os dois últimos fatores aumentam em 30% e 25% o risco de infartos, respectivamente.

De acordo com o cardiologista Antonio Felipe Simão, das mulheres que não estão em tratamento, 24% disseram que foram tratadas anteriormente. “Só que o colesterol se trata para o resto da vida, já que não se trata de uma terapia pontual”, adverte o especialista.

A mulher deve começar a se preocupar com o coração a partir dos 35 anos, quando os problemas se tornam mais evidentes. Muitas pacientes de alto risco não têm sintomas e não sabem que correm perigo.

“Elas só vão descobrir isso na consulta médica”, afirma o presidente. Sempre é tempo de modificar hábitos e viver de forma sadia. A prevenção das doenças cardiovasculares pode e deve começar na infância.

Dá para começar combatendo pelo menos dois fatores de risco importantes: o sedentarismo e a obesidade. Para as mães, esse é mais um motivo para servir de exemplo e promover mudanças favoráveis à saúde cardiovascular da família.

Estatística preocupante

* Estima-se que cerca de 8 milhões de mulheres morrem por ano de doenças cardiovasculares: aproximadamente uma a cada minuto.
* Nelas, a formação da placa de gordura é difusa, dificultando o diagnóstico
* Mulheres têm duas vezes mais chances de morrer do que os homens após uma cirurgia de ponte de safena
* Estudos mostram que 38% das mulheres morrem dentro de um ano após sofrer um infarto, comparado a 25% dos homens
* A combinação pílula anticoncepcional e consumo de mais de 15 cigarros por dia aumenta de três a cinco vezes o risco de problemas cardiovasculares
* Os sintomas de eventos cardiovasculares são diferentes nas mulheres – um terço delas tem sintomas atípicos, como pouca dor. Enquanto os homens apresentam fortes dores no peito e falta de ar, as mulheres sentem náusea, dor abdominal e um mal-estar geral.

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