CNS aprova aborto em caso de anencefalia

aborto100305.jpg

O ministro Marco Aurélio Mello,
relator do processo.

asília – O Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou ontem, por 27 votos favoráveis e 3 contrários, a interrupção da gravidez no casos em que for comprovada a anencefalia do feto. A decisão, tomada depois de uma reunião de mais de cinco horas, será formalizada hoje, com a redação de uma resolução sobre o tema. A medida, por si só, não tem poder de autorizar o aborto nos casos em que for comprovada a inexistência do cérebro nos fetos. Trata-se de mais um argumento que reflete a posição da sociedade sobre o assunto, afirmou a integrante do conselho, Sílvia Marques Dantes.

Com a decisão de ontem do Conselho Nacional de Saúde, sobe para três o número de manifestações favoráveis à antecipação do parto nos casos de anencefalia. Já haviam se manifestado favoravelmente a essa medida a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Humana. É mais um pronunciamento de qualificação técnica e credibilidade política que confere maior lastro a uma futura decisão jurídica sobre o assunto, afirma o professor de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Saúde numa ação movida no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema, Luís Roberto Barroso.

O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo no STF, comentou que a decisão do CNS demonstra a importância de o Supremo se pronunciar a respeito dessa questão. A anencefalia é uma má-formação que atinge aproximadamente dois em cada 10 mil fetos no Brasil. O problema, diagnosticado já no terceiro mês de gestação, é irreversível. Não há a formação dos ossos do crânio. E sem ela, não há chances de o bebê sobreviver, afirmou o presidente da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Jorge Andalaft Neto.

A interrupção da gravidez nos casos de anencefalia está sob análise do STF desde julho passado, quando uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde. Nessa ação, uma liminar foi concedida liberando a antecipação do parto. Mas, meses depois, a medida foi suspensa. O assunto deverá ser retomado em abril, quando o Plenário do STF deverá analisar se é ou não a instância adequada para julgar o assunto. Barroso explica que há uma corrente contrária, que defende que o tema somente pode ser definido pelo Congresso Nacional.

?Discordamos desta corrente, pois, para nós, não se trata de um direito novo?, completou. Para Barroso, antecipar o parto nos casos de anencefalia não caracteriza um aborto. Não há potencialidade de vida para o feto.

?Pela lei, a morte ocorre quando há morte cerebral. E neste caso, como não há cérebro, devemos considerar o feto como natimorto?. Ele conta ainda que há outras duas teses jurídicas que mostram que a antecipação do parto nestes casos não pode ser caracterizado como um novo direito.

Caso o STF julgue ser a instância adequada para analisar o assunto, será feita a análise do mérito da ação. ?Antes desta segunda etapa, no entanto, deverá ser feita uma audiência pública, para debater o tema?, contou Barroso. O desafio maior, na avaliação de Barroso, é a primeira fase do julgamento. ?Acreditamos que, no mérito, a maioria dos ministros do STJ seja favorável à antecipação do parto?, comentou.

Depois da audiência tumultuada de ontem, representantes do Conselho Nacional de Saúde comemoravam a aprovação da resolução. ?É mais uma mostra de que a sociedade civil é favorável à antecipação terapêutica do parto. E esperamos que isso sirva para convencer ministros do STF do quanto é importante permitir a prática?, afirmou Sílvia. ?Com ela, a mulher se livra de um sofrimento que é levar até o fim uma gravidez que sabidamente vai gerar um natimorto.?

Governo distribui pílula do dia seguinte

Rio – A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e o Ministério da Saúde lançam no próximo dia 22 o programa Políticas de Planejamento Familiar. Entre as medidas a serem adotadas está a distribuição gratuita nos postos de saúde de anticoncepcional de emergência, a chamada pílula do dia seguinte. O método é polêmico. Um programa municipal semelhante foi suspenso pela Prefeitura do Rio, em janeiro, depois que a arquidiocese divulgou nota condenando o que chamou de ?medicamento abortivo?. O prefeito César Maia avisou ontem que não voltará a distribuir essa pílula nos postos da rede municipal.

?Nós estamos tratando disso dentro da ótica da saúde. Essas questões são sensíveis, há resistências dos setores religiosos. Mas o governo tem de se pautar pela posição de um estado que é laico, e garantir a saúde das pessoas. A chamada pílula do dia seguinte é um recurso terapêutico existente hoje e vamos colocá-lo à disposição da população?, disse a ministra Nilcéa Freire, que participou do 2.º Encontro de Mulheres e Município, no centro do Rio.

A assessora especial da secretaria, Teresa Sousa, informou que o programa terá como enfoque o público adolescente. Cerca de 700 mil jovens com idades entre 10 e 19 anos se tornam mães anualmente. Com base nos dados do Censo 2000, 1,3% desse total tem entre 10 e 14 anos. ?A gravidez na adolescência tem nos preocupado muito?, disse Teresa. O programa prevê o aumento da distribuição de métodos contraceptivos e a oferta de novos medicamentos, como a pílula do dia seguinte. Também haverá campanha de informação sobre a utilização desses métodos e o que representam para a saúde. ?As políticas de planejamento familiar, atenção à violência sexual, de redução da mortalidade materna não estarão isoladas. O programa em parceria com o Ministério da Saúde inclui tudo: atendimento humanizado à mulher que chega ao hospital vítima de violência sexual, ou que teve infelizmente a prática de abortamento inseguro?, disse a ministra.

CNBB é contra

Para o presidente da Comissão Episcopal Vida e Família e integrante da comissão de bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), d. Rafael Llano Cifuentes, a distribuição da pílula do dia seguinte é um ?atentado contra a vida?.

?Essa pílula não é preventiva, é um medicamento abortivo usado para expelir o óvulo fecundado. E a Igreja crê que, uma vez fecundado o óvulo, existe ali um ser humano.?

D. Rafael refuta o argumento de que o estado é laico e o assunto deve ser tratado como política de saúde. ?O estado brasileiro é laico, mas esses problemas não são confessionais. Dizem respeito à vida. E direito à vida não é um direito do católico, mas de todo cidadão?, disse. A CNBB deve se pronunciar sobre o programa depois do anúncio oficial.

Pesquisa do Ibope e da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, feita em fevereiro com 1.293 católicos de todo o País, mostrou que 71% dos entrevistados são a favor da distribuição gratuita da pílula do dia seguinte para mulheres que tiveram relações sexuais e não querem engravidar, e 90% acreditam que os postos de saúde devem distribuir o medicamento caso a mulher tenha sido vítima de estupro.

?Uma coisa é o clero, outra coisa são os fiéis. Foi muito bom fazer essa pesquisa para saber o que as pessoas pensam?, disse Nilcéa Freire.

Voltar ao topo