Bioética – Eutanásia (1)

Na conclusão da mensagem anterior, consta a seguinte afirmação: “A Eutanásia é absolutamente condenável, extremamente polêmica, antiética e ilegal. Fere todos os princípios e atributos da vida”.

Com toda franqueza, esta afirmação, considerada pelos que defendem a Eutanásia, torna-se tão polêmica quanto a própria Eutanásia.

Na última edição do Dicionário Novo Aurélio Século XXI, lê-se a seguinte definição: “Eutanásia 1 Morte serena, sem sofrimento. 2 Prática sem amparo legal, pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente reconhecidamente incurável”.

O que é a Eutanásia?

Palavra de origem grega “Euthanasia”: Eu, que significa Bem e Thanatos, significa morte”. Portanto, ao pé da letra, morte boa, ou morte suave, até mesmo confortável.

Todo ser humano nasce livre. Tem, pois, o direito de optar por conceitos que se identifiquem com o seu modo de ser e de agir. Desnecessário, portanto, polemizar com quem discorde dos seus pontos de vista.

A Eutanásia, conforme a própria definição, consiste na interrupção da vida humana, a fim de abreviar sofrimentos. Considere-se, porém, que o sofrimento desempenha, na vida do ser humano, papel semelhante ao do fogo, que tempera o aço, conferindo-lhe melhor qualidade, maior resistência, por isso maior força.

O que é sofrimento e por que existe sofrimento?

Pode-se resumir o conceito de sofrimento com a seguinte expressão: É a impressão desagradável que afeta o ânimo das pessoas. Pode ser decorrente de um mal, ou da privação de algum bem. Por exemplo, da saúde, bem somente superado pelo bem maior que é a própria vida.

Sofrimento é ação ou processo de sofrer. Na verdade é dor, causada por uma gama imensa de fatores. Fatores que produzem dor física; fatores que condicionam dor moral, promovem angústia, ansiedade, amargura. Dor e sofrimento conseqüência de miséria, fome, penúria, marginalização.

É evidente a existência de muitas outras causas de sofrimento e dor. Por exemplo, as que derivam de condições climáticas: frio, calor e umidade excessivas: cansaço, sede, precariedade de recursos básicos, contaminação do meio ambiente, promiscuidade, injúria, desprezo, ingratidão, calúnia, perseguições, etc.

O sofrimento é um elemento que existe no mundo e existirá sempre. Quando acontece, é claro que o sofredor tem todo direito e até o dever de buscar solução ou alívio contra o mal de que padece.

Considerando-se a variabilidade do grau de sofrimento, haverá reações proporcionais, peculiares à formação e ao temperamento, condicionada ainda a eventual sentimento de revolta, ou de resignação de cada um.

Um fator extremamente significativo nos momentos de sofrimento e dor é a Fé. Fé que suscita confiança e sobretudo esperança. Além da confiança e da esperança, a pessoa que tem fé procura “administrar” o seu sofrer, sua potencialidade, aproveitando para transformá-lo em energia purificadora, e fazer da necessidade uma virtude e conseqüente progresso espiritual.

Esta digressão, quase devaneio, procura amenizar o tema desta mensagem – a Eutanásia – que, embora emoldurada pelas virtudes da misericórdia e da piedade, consiste na interrupção da vida. Com que direito? Com que autoridade? Quem é o Senhor da Vida?

O conceito da Eutanásia passou por transformações de caráter, cultura e até geográfico. No pensamento estóico, a morte era tida como a coroação de um vida completa, combinada com visão de morte cheia de honra e livre de toda coação.

Em 1973, a Associação dos Hospitais Americanos, formulou a Declaração dos Direitos do Enfermo, dando margem à dupla interpretação. Enquanto para uns significou o direito à Eutanásia, para a grande maioria, incluído o Conselho Permanente da Conferência Episcopal Alemã, foi interpretada como o direito de morte em condição humana. Considerado que a morte é o último acontecimento importante da vida, e ninguém pode se privar dele, mas antes deve ser ajudado em tal momento. Isto significa, antes de tudo, aliviar os sofrimentos do enfermo.

Eis o que de mais importante e significativo compete ao médico: diante do doente que sofre de mal considerado incurável e irreversível, aliviar-lhe as dores, proporcionando-lhe conforto para que lhe seja suportável o ato de morrer com a dignidade compatível com a condição humana.

Nem todos raciocinam deste modo. Há os que consideram que, tendo o ser humano sido criado para ser feliz, a Eutanásia representa – não apenas morte sem aflição, indolor, agradável até, mas também a eliminação antecipada e sem sofrimentos. De fato uma espécie de homicídio piedoso.

A Eutanásia é, pois, uma doutrina segundo a qual, em determinadas circunstâncias, em que a vida deixou de ser permanentemente agradável ou útil, o doente “merece” ter provocada a morte de maneira suave, sem dor, a qual pode ser praticada pelo próprio doente, ou por outra pessoa.

No fundo, a prática da Eutanásia, consentida, tem ponderável componente de egoísmo e de inconformidade face à evolução existencial.

Ary de Christan

é da Academia Paranaense de Medicina.

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