AVC – Três horas entre a vida e a morte

Durante uma caminhada matinal, o comerciante Ernani Chagas sentiu o que ele identificou como uma ?fisgada? nos músculos do rosto. Só foi se preocupar com o fato quando, ao chegar em casa, tentou falar com sua esposa e não conseguiu. Foi ao espelho e aí veio o desespero: ele não tinha mais o controle dos músculos da face, que tinham ?caído?. A primeira causa que lhe veio à mente foi a de que uma ?friagem? tinha provocado o distúrbio. Sem perder tempo procurou auxílio médico, que lhe deu a versão oficial: acidente vascular cerebral (AVC). De pequena intensidade, mas um AVC.

Hoje, passados dois anos, o comerciante, que havia perdido em cerca de 30% o controle sobre a fala e os movimentos do braço direito, apresenta um mínimo resquício do acidente. ?Foram muitos medicamentos e incontáveis horas de fisioterapia que me deixaram quase cem por cento?, declara. Ernani teve sorte ao procurar ajuda com rapidez. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), das quinze milhões de pessoas no mundo que sofrem de um AVC a cada ano, mais de cinco milhões morrem em decorrência da doença. Das 10 milhões que sobrevivem, a metade carregará para sempre graves seqüelas físicas e mentais, com enorme impacto econômico, social e familiar.

Tempo é cérebro

A população conhece o AVC por outros nomes, entre eles, trombose, convulsão e derrame, conseqüência de uma deficiência na irrigação sangüínea do cérebro. Muitos não valorizam esse acontecimento com a importância devida. De acordo com os dados da Associação Americana do AVC, nos Estados Unidos, a pessoa que sofre um acidente vascular cerebral demora, em média, 12 horas para conseguir um tratamento adequado. No Brasil, a situação tende a ser mais crítica ainda: apenas 30% da população é levada a um hospital em até seis horas após a ocorrência do evento. Tempo, que no entender do professor adjunto de neurologia da Santa Casa de São Paulo, Rubens Gagliardi, não permite que seja reduzida a extensão dos danos causados pelo acidente. De acordo com diretrizes atuais, o paciente deve receber trombolíticos (medicamentos que dissolvem coágulos e que, por enquanto, não são distribuídos pelo SUS) até três horas depois da crise.

?Os efeitos de um AVC muitas vezes são permanentes porque as células cerebrais mortas não podem ser repostas?, explica o coordenador do setor de neurologia vascular da Unifesp, Ayrton Massaro. De acordo com o médico, boa parte das mortes e seqüelas poderia ser evitada com medidas de prevenção e tratamento adequado do problema. Ele ressalta que uma orientação adequada aliada aos exames regulares, dieta, exercícios físicos e diminuição dos níveis de estresse diminuem o risco de um AVC.

Campanha de prevenção do AVC

A neurologista Viviane Zétola, do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, esclarece que doenças já existentes, como hipertensão, diabetes, obesidade e problemas cardíacos, são consideradas importantes fatores de risco. ?Outra causa importante está associada ao tabagismo?, frisa. As doenças vasculares tornaram-se uma epidemia global. As complicações do AVC podem ser evitadas por uma assistência especializada e rápida em hospital. ?O AVC é considerado uma emergência médica, pois o atendimento precisa ser realizado em um curto espaço de tempo?, afirma Massaro. O especialista enfatiza a necessidade urgente de tornar o tratamento para derrames mais acessível, para que o problema possa ser combatido desde os primeiros sinais. “Reconhecer e tratar rapidamente um caso de AVC é um dos grandes desafios de quem lida com saúde”, alerta o médico.

Nesse sentido, a ABN e as sociedades regionais de neurologia, com o apoio do Laboratório Sanofi-Aventis, pretendem constituir uma rede de hospitais especializados no tratamento do AVC. A proposta é promover um programa de atualização continuada às equipes multidisciplinares envolvidas diretamente no tratamento emergencial da doença. Além dos profissionais de saúde, a população também necessita conhecer e reconhecer os sintomas iniciais do AVC e procurar rapidamente auxílio médico, para que seqüelas possam ser evitadas.

Destruidores de coágulos

Faz parte do tratamento ideal desobstruir rapidamente a passagem do sangue, normalizando o fornecimento de oxigênio e nutrientes ao cérebro. Os trombolíticos, ou medicamentos ?destruidores de coágulos?, diminuem consideravelmente os riscos de seqüelas causadas pela doença, melhorando a qualidade de vida do paciente. Porém, a eficácia da terapia trombolítica depende do tempo do atendimento ? os pacientes devem ser atendidos e ter o diagnóstico de AVC isquêmico estabelecido em até três horas após o início dos sintomas. ?Quanto mais rápido o atendimento emergencial, melhor será a recuperação e a reabilitação do paciente?, admite Viviane Zétola.

Conforme as estatísticas, atualmente, cerca de 80% dos casos de AVC são de origem isquêmica (ocasionados pelo entupimento de vaso sangüíneo por meio de um coágulo). ?Assim, qualquer minuto perdido significa perda de tecido cerebral e a rápida intervenção pode fazer a diferença entre carregar para sempre as seqüelas graves de um derrame ou manter a qualidade de vida após a doença?, completa a médica.

NÚMEROS QUE SERVEM DE ALERTA

– 70% dos que sobrevivem a um AVC não retornam ao trabalho.

– 50% morrem no primeiro ano após o acidente.

– 30% necessitam de auxílio para caminhar.

– 20% ficam com seqüelas graves e incapacitantes.

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