Alcoolismo: O medo da dependência não assusta os jovens

Uma garrafa de cachaça – pode ser a mais barata. Outra de tubaína de dois litros, também não importa o sabor, só o preço. Misture tudo. O “tubão” está pronto. Agora é só reunir alguns amigos e sair por aí, aprontando. Tanto no centro quanto nos bairros de Curitiba e, naturalmente, na temporada de praia, esse foi o embalo que mais sucesso fez no carnaval. A constatação é de que mais adolescentes bebem, mais cedo e descontroladamente. Além do “tubão” preparado na rua mesmo, eles são abastecidos ilegalmente em casa, nos bares e nas festas.

A estudante curitibana Jéssica, de 15 anos, tomou o primeiro porre neste ano. “Acho que não fiz nada de errado, só me arrependi por ter passado mal no dia seguinte”, declara. Já Gustavo, de 17 anos, que começou a beber para se sentir mais descontraído, o limite entre a alegria proporcionada pela bebida e o descontrole sempre passa despercebido. “Já perdi a conta do número de vezes que voltei para casa embriagado… quando voltei”, confessa.

Nunca tantos jovens com idade tão baixa usaram tanta bebida quanto hoje. O principal motivo, segundo Dionísio Banaszewski, presidente do Conselho Regional de Psicologia do Paraná e do Conselho Estadual Antidrogas (Conead), é a facilidade com que as pessoas têm acesso às bebidas alcoólicas. “O número de pontos de venda cresceu assustadoramente”, atesta. Somada a isso, o psicólogo acrescenta a maciça publicidade em torno principalmente da cerveja como uma das causas do aumento de consumo.

Situação preocupante

Outra constatação do dirigente é a de que os jovens freqüentam as festas cada vez mais cedo e, por conseqüência, iniciam o consumo de bebidas precocemente. A maioria dos jovens desconhece o que é beber com responsabilidade, frisa Banaszewski. “Por isso perdem o controle quando bebem”, ressalta. A violência provocada por esse descontrole, conforme as estatísticas, é a principal responsável pela morte violenta de jovens entre 15 e 24 anos. Nesse ranking negativo, o Paraná ocupa a segunda posição no Brasil.

O fenômeno do aumento de alcoolismo entre jovens vem sendo acompanhado pelo Conead com muita preocupação. Que o alcoolismo está se tornando cada vez mais alarmante não é novidade. “No entanto, é preciso tomar conhecimento de que a situação é pior do que se imagina”, enfatiza o dirigente. Uma recente pesquisa mundial constatou que o número de mortos e de incapacitados devido ao consumo de álcool em todo o mundo equivale à soma dos óbitos causados por pressão alta e pelo fumo. Por isso, especialistas reconhecem que uma política sobre o uso do álcool não é mais uma questão nacional, mas sim de saúde pública mundial.

Responsabilidade de todos

Para a chefe da Coordenadoria Estadual Antidrogas do Paraná, Cleuza Conceição de Lima Canan se torna difícil perceber quando o consumo de álcool deixa de ser apenas um assunto pessoal, restrito ao usuário. Ela explica que alcoólatra é uma pessoa doente e, que, dificilmente, pode tratar a sua doença sozinha. “Isso faz com que a responsabilidade sobre aquele dependente seja coletiva”, afere, salientando que esse problema passa a ser de todos que o rodeiam, seja a família, a empresa ou os amigos. A coordenadora completa que fechar os olhos para a questão e ignorar o problema é não assumirmos nossas responsabilidades como familiares, amigos, colegas ou cidadãos.

Além de ser a principal porta de entrada para o uso de outras drogas, um recente estudo publicado na conceituada revista americana The Lancet relata que o uso indiscriminado do álcool está ligado a mais de 60 diferentes doenças, que incluem problemas coronários, cirrose e câncer. A pesquisa também analisa a importância de políticas de controle, tomando como base padrões ingleses, onde a maioria dos bares tem restrições quanto aos horários para servir bebidas. Nesse quesito, conforme Dionísio Banaszewski, no Brasil, cerca de 63% dos homicídios ocorrem a 100 metros de algum bar.

No Brasil, as estimativas são de que o alcoolismo consome mais recursos do que todo o orçamento da Previdência Social. Além disso, mais da metade dos acidentes de trânsito no país estão relacionados ao consumo de álcool, também causa de 87% dos casos de agressão registrados nas delegacias da mulher. Banaszewski ressalta que o adolescente não vai por conta própria atrás de informações sobre os malefícios das bebidas alcoólicas, por isso, no seu entender, além de medidas restritivas, uma das principais ações para tentar reverter essa situação é criar campanhas que conscientizem os jovens sobre os efeitos do álcool – como é feito com o fumo.

Os danos do álcool…

No fígado: hepatite, cirrose.

No pâncreas: pancreatite.

No estômago: gastrite, úlcera.

No sistema nervoso: lesões cerebrais, epilepsia, psicose e demência.

Nos homens: atrofia nos testículos, redução no número de espermatozóides.

Nas mulheres: um efeito semelhante nos ovários.

… e seus mitos

· O álcool não serve para “esquentar” o corpo, já que a temperatura sangüínea está sempre perto dos 37 graus, quase sempre acima da temperatura ambiente.

· As bebidas alcoólicas não restabelecem as forças, ao contrário, o organismo necessita de mais energia para eliminá-las da circulação.

· O efeito “desinibidor” atribuído ao álcool só serve para quantidades moderadas, pois acima disso o efeito mais observado é o descontrole total.

· O álcool não alimenta, pois as suas substâncias não têm qualquer valor nutritivo.

· Ao contrário do que muitos pensam, a bebida alcoólica não mata a sede e, sim, faz o organismo perder grande quantidade de líquidos.

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