Petróleo: riqueza permanente e aval de soberania transnacional

petroleo140506.jpgFinalmente o Brasil alcança em 2006 sua autosuficiência na produção e refino de petróleo com uma produção de 1,91 milhão de barris/dia e uma demanda de 1,85 milhão de barris/dia. A teoria mais evocada pelo geologistas para tentar explicar a origem desta mistura viscosa, marrom-escura e heterogênea de hidrocarbonetos é a biogênica. Ela encara o ouro negro como derivado de restos fósseis de animais, plantas e microrganismos pré-históricos os quais, sob influência de temperatura e pressão, se converteram inicialmente em material ceroso chamado querogênio e, em seguida, numa mistura de gases e líquidos – num processo conhecido como catagênese. Rochas porosas da crosta terrestre absorveram esta mistura e a perfuração se encarrega então de liberar os dois tipos de produtos. O produto aflora por conta da pressão aliviada e, em poços mais antigos, mediante o trabalho de bombas ou injeção de água ou vapor.

Historicamente, a primeira mina de óleo de rocha foi estabelecida em Bobrka, no sul da Polônia, em 1853, enquanto a primeira refinaria foi edificada nos campos de óleo de Baku (Rússia), em 1861. Nas Américas, a iniciativa de perfuração foi canadense (Oil Springs, Ontário), em 1858, enquanto que nos USA, no ano seguinte, petróleo foi descoberto em Titusville, Pennsylvania. No Brasil, campesinos de Lobato (Bahia) que se valiam de uma lama preta para substituir o querose nos lampiões inspiraram os pioneiros da descoberta do primeiro poço nacional: Manuel Inácio Bastos, Oscar Cordeiro e Pedro de Moura, já que os dois primeiros acabaram convencendo o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) a perfurar o solo baiano.

Em 21 de janeiro de 1939, atingida a profundidade de 210 metros, jorrou petróleo em Lobato e dois anos depois o vizinho município de Candeias passou a operar o primeiro poço comercial. Portanto, 67 longos anos decorreram até que se consolidasse a autosuficiência tão defendida, dentre outros, por Monteiro Lobato como garantia de soberania nacional ante interesses estrangeiros ("o petróleo é nosso"; "a cadeia é minha", que é onde Getúlio Vargas o trancafiou certa vez, entendendo seus arroubos nacionalistas como ofensa; melhor sorte teve outro defensor da tese, o Gal. Horta Barbosa, então presidente do CNP (Conselho Nacional do Petróleo).

Ainda em solo baiano (Recôncavo) inaugurou-se em 1950 a primeira refinaria de petróleo, a Landulpho Alves, em Mataripe. Em 1963, o destino petrolífero voltou a sorrir mais ao norte: estava descoberto um campo de porte, Carmópolis, no Sergipe. Mas na década de 50 o trabalho contratado com Walter Link, aposentado da Standard Oil norte-americana, semeou no País uma das mais sérias polêmicas em função do desencorajamento por ele manifestado no que tangia à exploração terrestre com a ressalva, positiva, de que em seu relatório final também foi incluída a recomendação de que a Petrobrás avançasse na direção do mar e … do exterior! E é no ambiente submarino que está garantida a maior fatia de produção nacional em poços fluminenses, como o Albacora e Marlim, na bacia de Campos-RJ, embora o primeiro poço marítimo tenha sido o de Guaricema, no Sergipe, seguindo-lhe um campo de porte, o de Garoupa (dezembro de 1974), este na bacia fluminense, em faixa de terreno calcáreo e alta profundidade abaixo de uma lâmina de água de mais de 100 metros.

Para Albacora Leste (120 km da costa), está seguindo a tão esperada plataforma P-50, ícone da autosuficiência alcançada em 2006. Isoladamente, esta plataforma produzirá 180 mil barris/dia mais 6 milhões de m3 de gás/dia. Hoje, 84% do petróleo brasileiro (ca. 1,5 milhão de barris/dia) é retirado do mar na Bacia de Campos-RJ, acompanhado de 23 milhões de m3 de gás/dia. Na mesma bacia, o poço gigante RO-21 Roncador detém o recorde de profundidade: 1.886 m de lâmina de água, o que justifica o orgulho da engenharia nacional burilada durante tantos anos.

Mas por caprichos da natureza as ocorrências nacionais são do tipo petróleo pesado, o que nos obrigará a manter a importação de óleo leve na base de uns 10% do consumo. Isto se faz necessário para garantir que a blenda pesado + leve conduza ao elenco qualitativo/quantitativo de produtos de refino desejados. Mas a busca continua sobretudo na mãos de engenheiros, geólogos, geofísicos e técnicos auxiliares nas etapas aerofotogramétrica, sísmica acoplada a geofones e hidrofones (espécie de ultrasonografia do solo ou do mar), gravimétrica e aeromagnetométrica.

A premissa de que o petróleo de rocha como recurso fóssil finito se esgote rapidamente tem sido corrigida e há uma estimativa de que isto não ocorra antes de uns 40 anos. Outras ocorrências de óleo, como areias com piche, campos de betúmen e óleo de xisto, devem alargar esta sobrevida. De qualquer forma, os produtores tem suas próprias estimativas. Como exemplo, o campo gigante mexicano Cantarell Field, segundo a Pemex, atingirá o seu pico de produção em 2006 e a partir daí declinará a uma taxa de 14% ao ano.

O fracionamento do petróleo cru gera os diversos produtos típicos da indústria petroquímica de refino, cuja classificação obedece o critério de crescente faixa de pontos de ebulição (v. tabela). Qualquer fração mais pesada, ou seja, de mais alto ponto de ebulição pode ser submetida a novo "cracking", agora catalítico, repartindo-se então em frações mais leves.

O carvão, que como tal precedeu o petróleo como fonte mais universal de energia, pode ser convertido em petróleo pela tecnologia desenvolvida pela Alemanha durante a II Guerra Mundial e conhecida como processo Fischer-Tropsch. O rendimento é de cerca de 20%, mas os subprodutos são aproveitáveis. É o que faz a Shell em Bintulu, Malásia. O gás natural (no qual predomina o mais simples dos hidrocarbonetos, metano) também pode ser convertido em derivados do petróleo.

Este é o trabalho da Sasol na África do Sul e o produto priorizado é um óleo diesel de baixo teor de enxofre. Cabe a lembrança de que a Petrobras encontrou, na Bacia de Santos-SP, uma jazida enorme de gás natural. Queima tão bem quanto o gás boliviano que a política corrente pode tornar menos acessível.

A evolução do preço do petróleo por conta da progressiva pressão do cartel produtor é assustadora. Dos US$ 12 de 1999 saltou para US$ 68 em 2006. A lista dos maiores produtores mundiais (dados de 2004; em milhões de barris/dia) era encabeçada pela Arábia Saudita (10,37 MBD). Seguiam-lhe: Rússia (9,27). Estados Unidos (8,69), Irã (4,09), México (3,83), China (3,62), Noruega (3,18), Canadá (3,14), Venezuela (2,86), Emirados Árabes (2,76), Kuwait (2,51), Nigéria (2,51), Reino Unido (2,08) e Iraque (2,03 MBD). O Brasil, alcança em 2006, a marca do 1,9 milhão de barris/dia, ou seja, a autosuficiência. Estima-se que o consumo mundial de petróleo em 2005 foi da ordem de 84 milhões de barris/dia. No primeiro elenco de grandezas, a Petrobras, com seus 54.000 funcionários (400.000 acionistas: 56% das ações ordinárias e 32% do total nas mãos do governo federal) ganha destaque: em cifras arredondadas para 2005 a receita e lucro foram de, respectivamente, R$ 137 bilhões e R$ 24 bilhões. A Petrobras, completando seu 53.º aniversário, possui 98 plataformas exploratórias, 72 fixas e 26 flutuantes e a estimativa de investimentos é de R$ 38 bilhões. Seu conglomerado comporta 112 empresas, entre subsidiárias, controladas e coligadas. Isto, num regime competitivo de exploração ditado pela economia aberta, já que a partir de 1975 franqueou-se o sistema de contratos de riscos à iniciativa privada nacional ou estrangeira, o que somado à Lei 9478 (24-8-1997), decretou o fim do monopólio formal (art. 4.º e 5.º.) (dados de Isto É 1906/1908).

Enxergar o petróleo apenas como "mãe" de uma diversificada matriz combustível (gás de cosinha, gasolina, diesel, querosene de aviação) é uma visão reducionista. A indústria petroquímica provê blocos químicos definidos, que são a matéria-prima para uma diversificada linha de plásticos, solventes, parafinas, graxas, detergentes, grafite, borracha sintética, fibras, pesticidas e até produtos médico-farmacêuticos. De qualquer forma, atingida a autosuficiência, convém manter em paralelo uma política nacional de diversificação de matrizes energéticas. O petróleo vem cedendo espaço para outro bem estratégico: etanol. A parcela de concessão seguinte será para o biodiesel, até mesmo porque este ameniza os efeitos poluidores advindos da queima de derivados de petróleo como o diesel.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T.

Voltar ao topo