O alho e a bioquímica subjacente

O alho (Allium sativa) esconde segredos mais concretos do que espanto para vampiros. Nos tempos das conquistas romanas era o suplemento fortalecedor dos centuriões, decuriões e soldados combatentes por ser a erva vinculada a Marte, o deus da guerra.

Seus bulbos esbranquiçados ou arroxeados contêm um aminoácido raro derivado da cisteína, a aliina (óxido-dissulfeto de diallila) ao lado de um enzima, aliinase, que age como catalisador de modificação da aliina. São inodoros e no bulbo intacto estão em compartimentos separados, mas na trituração do bulbo entram em contato e formam uma 3.ª molécula, a alicina, de forte e característico odor. Trata-se de um poderoso oxidante e como tal, se ingerido em excesso, pode ser danoso mais além da irritação estomacal, gerando radicais livres, responsáveis pelo envelhecimento dos tecidos.

 Os benefícios corporais da ingestão (moderada) de alho são a redução do colesterol, elevação das HDLP (LipoProteínas de Alta Densidade, portadoras do colesterol "bom"), redução da pressão arterial e alguma bioatividade inibitória sobre bactérias patogênicas tal qual os antibióticos. Um estudo de 1992 do Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos comprovou que a ingestão de alho e cebola está correlacionada com menor incidência de câncer de estômago. Outros autores reportam o mesmo efeito para a pele e para o cólon.

É tido como melhor agente antibiótico contra o tifo, o mesmo valendo em caso de disenterias e enterites. Mesmo no caso de algumas viroses (resfriados e gripes) é atribuída ao alho uma atividade preventiva. Daí o nome que se lhe aplica de "penicilina russa". É comprovado que os compostos sulfurados do alho elevam a bioatividade das células sanguíneas da série branca e das células "T-helpers", responsáveis pela defesa imunológica do corpo. Seu uso igualmente se estende ao combate das bronquites (vias áreas superiores) e infecções urinárias.

Uma interpretação farmacológica da ação do alho como um todo se complica em função da variedade de compostos sulfurados presentes no bulbo, uma família em que cada membro contribui com uma parcela do marcado odor apresentado por esta planta.

O suco de alho, mesmo diluído 1.000 vezes (o que não afeta a cultura de células em laboratório), é altamente inibidor para a levedura Candida albicans (corrimento vaginal) e para o fungo Tricophyton (frieiras). De fato, MICs (Concentrações Inibitórias Mínimas) de até 0,3 micrograma de alicina /mililitro foram encontradas para 5 diferentes espécies da levedura responsável pela candidíase.

 Para minimizar o efeito da halitose provocada pelo alho, o óleo ou extrato pode ser administrado na fórmula de cápsulas cuja desagregação se dá ao nível dos intestinos.

 Maiores informações sobre as múltiplas propriedades benéficas do alho e seus derivados podem ser obtidas no livro The Complete Garlic Handbook ou através do The Garlic Information Centre, Saberdene House, Church Rd, Castfield, Battle, East Sussex, UK.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR pelo Departamento de Farmácia, pesquisador 1 A do CNPq, 11.º Prêmio Paranaense em C&T e Comenda Nacional de Mérito Farmacêutico (CFF, 2002). 

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