Messenger, o explorador de Mercúrio

A exploração espacial do Sistema Solar está num dos seus momentos de sucessos, enquanto a sonda Cassini-Huyghens encontra-se ao redor de Saturno e dois pequenos robôs exploraram Marte, os norte-americanos lançaram pela segunda vez, depois de 30 anos, uma outra sonda, Messenger (O mensageiro), de 1,2 tonelada, projetada e construída pela Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory (APL), de Laurel, Md, em direção ao planeta mais próximo ao Sol.

Com efeito, em 2 de agosto, terça-feira, às 2h16 TU, a NASA lançou a bordo de um foguete Boeing Delta II da base da Força Aérea de Cabo Canaveral, Flórida, a sonda Messenger MErcury Surface SpaceENvironment GEochemistry and Ranging (Explorando a superfície, o espaço ambiente e a geoquímico de Mercúrio) em direção ao planeta Mercúrio. Uma vez lançada, a sonda contornará de início a Terra, em agosto de 2005; em seguida Vênus, em outubro de 2005 e junho de 2007 e, depois de sobrevoar Mercúrio por três vezes seguidas, em janeiro e outubro de 2008 e setembro de 2009, Messenger irá se colocar em órbita ao seu redor em março de 2011. Como a sonda não dispõe de um motor de propulsão química, ela terá que aproveitar as forças gravitacionais da Terra, de Vênus e até mesmo de Mercúrio para alcançar o seu objetivo. Aliás, o próprio Newton já havia previsto que seria necessária muito mais energia para atingir um astro próximo do que um afastado. Essa é a razão pela qual a sonda irá multiplicar os seus encontros com os planetas que a reenviaram como uma funda em direção a Mercúrio ao longo de uma viagem de 7,9 bilhões de quilômetros que irá levar sete anos.

Esta missão de 425 milhões de dólares – parte da série das missões pouco dispendiosas da Discovery, iniciadas pela agência norte-americana -, vai restabelecer, após uma ausência de trinta anos, o contato com o deus dos viajantes e do comércio. De fato, a última sonda a sobrevoar Mercúrio o planeta mais próximo ao Sol ocorreu em 1974. Naquela época, a sonda norte-americana Mariner-10 efetuou três sobrevôos Mercúrio, fotografando somente 45% de sua superfície. Com a Messenger, a NASA quer ir muito mais longe.

Ao colocar em órbita polar do planeta esta sonda, os norte-americanos desejam cartografar a maior parte de Mercúrio, fotografando em cores as regiões que não puderam ser exploradas pela Mariner-10, determinar a composição do solo e da atmosfera assim como estudar a magnetosfera do planeta. Para alcançar sucesso nesta missão, o veículo espacial Messenger dispõe de vários instrumentos sofisticados, que usam as mais avançadas tecnologias: câmeras de grande e pequeno campo angular; espectrômetros; um magnetômetro e um altímetro a laser. Todos estarão protegidos das radiações solares muito intensa em virtude da grande proximidade ao Sol , por uma camada de cerâmica. Na realidade, esta espaçonave vai constituir uma autêntica garrafa térmica, pois Mercúrio é um forno, com temperatura diurna de 470.ºC. Uma tal proteção é necessária para observar um planeta que possui ainda muitos e mistérios e curiosidades a serem revelados.

As missões dirigidas aos planetas Vênus e Marte já forneceram numerosos dados e serviram para aperfeiçoar antigas teorias sobre os processos de formação dos planetas terrestres, assim como possibilitou a elaboração de novas explicações. Acredita-se que a exploração detalhada desta parte do sistema solar ajudará a melhor compreender as forças que contribuíram para a formação destes planetas semelhantes ao nosso. Aliás, é fundamental estudar os planetas situados nas extremidades do sistema solar, pois os dados assim obtidos permitiriam melhor reconstituir a nebulosa protoplanetária que precedeu à formação do sistema solar. Ao contrário do que se acreditava – que só existissem planetas do tipo de Mercúrio próximo do Sol -, estudos recentes de outros sistemas planetários semelhantes ao nosso mostraram que os planetas gasosos gigantes, como Júpiter, podem perfeitamente existir nas vizinhanças de uma estrela central.

Para estudar Mercúrio o menor dos planetas terrestres cujo diâmetro é de 4.878 km, os cientistas norte-americanos concentraram os objetivos da sonda Messenger nos seguintes principais pontos: a densidade do planeta; a história geológica; a estrutura do seu núcleo; a natureza do seu campo magnético e de sua magnetosfera; as propriedades dos materiais presentes nos pólos e o comportamento das moléculas que constituem a sua atmosfera extremamente tênue (exosfera).

Assim como a densidade dos pequenos planetas constitui um dos enigmas para os planetólogos, os algarismos relativos a Mercúrio sugerem que 65% destes planetas são ricos em rochas metálicas. Aparentemente, o núcleo ferroso deve estar muito próximo à superfície, ou seja, a cerca de 400 quilômetros. Acredita-se que durante o processo de diferenciação do planeta, o núcleo concentrou uma grande proporção de ferro disponível inicialmente nas protonebulosas. As diversas hipóteses sugeridas convergentes a esta questão fundamental serão provavelmente respondidas por uma cartografia relativa à composição química da superfície do planeta.

Há 30 anos, a sonda Mariner-10 detectou a presença de um campo magnético semelhante ao terrestre. Ora, a existência deste campo na Terra é explicada pela suposta presença de correntes de convecção no núcleo líquido do planeta. Com explicá-lo num planeta de dimensões reduzidas, como no caso de Mercúrio? Acredita-se que o altímetro a laser do Messenger permitirá descobrir uma explicação. Uma outra questão refere-se à exosfera de Mercúrio tão tênue que as moléculas que a compõem (hidrogênio, hélio, oxigênio, sódio, potássio e cálcio) não se chocam entre si, mas contra a superfície de Mercúrio.

Não é a agência espacial norte-americana a única interessada em solucionar estes mistérios: a européia e a japonesa se preocupam também e, com este objetivo, já programaram a missão BopiColombo, de 750 milhões de euros, que deverá partir em 2012 e alcançará às vizinhanças de Mercúrio no início de 2016.Como a Messenger, a nova sonda irá usar a ajuda gravitacional durante quatro anos para estabelecer uma órbita polar ao redor de Mercúrio. A missão levará nove anos (ou três anos ao redor de Mercúrio) para concluir o levantamento cartográfico de toda a superfície do planeta. A missão irá imagear e compor um mapa da superfície, obtendo dados sobre o campo gravitacional assim como estudará a interação da magnetosfera com o vento solar. A missão não foi ainda aprovada, apesar de constar como proposta no programa Horizon 2000 da ESA. O nome Bepicolombo é uma homenagem ao matemático italiano Giuseppe (Bepi) Colombo (1920-1984) que sugeriu o uso da ajuda gravitacional na navegação espacial.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do O que é ser Astrônomo. Consulte a homepage:

http://www.ronaldomourao.com.

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