Júlio Verne e os pioneiros da astronáutica

Neste ano do centenário de morte de Júlio Verne (1828-1905), uma rápida inspecção nos catálogos das editoras publicados no exterior, dentre eles os italianos e franceses, é suficiente para mostrar que a literatura verniana ainda seduz as novas gerações e até os idosos, como o escritor italiano Umberto Eco confessou recentemente em crônica publicada na revista Entre Livros.

Aliás, as antecipações de Júlio Verne provocam um fascínio superior aos outros romances de antecipação, pois as invenções previstas que se tornaram uma realidade são muito inferiores às de Verne. Com efeito, ?nenhum submarino atômico será algum dia tecnologicamente mais espantoso do que o Nautilus, e nenhum dirigível ou avião a jato poderá ter algum dia o fascínio do majestoso navio a hélice de Robur, o conquistador?, como escreveu Umberto Eco.

A conquista do espaço é um velho sonho da humanidade. Logo que se constatou que os astros eram corpos sólidos, o homem começou a pensar em visitá-las. Entretanto, por falta de meios tecnológicos suficientes, seus planos ficaram limitados aos relatos dos escritores que, influenciados pelo desenvolvimento do início do século XIX, deram origem à literatura de ficção científica. De todos os relatos sobre os meios de conquista do espaço, os mais importantes foram os do escritor francês Júlio Verne, que publicou em 1865 o imortal livro: De la Terre à la Lune. Neste livro, os fatos científicos são sensivelmente tão exatos, como o permitiriam os conhecimentos da época. Embora tenha sido o escritor francês Achille Eyraud quem primeiro imaginou o emprego de foguetes a reação, como está relatado no seu livro Voyage à Venus, publicado em 1863, foram Julio Verne e, mais tarde, o escritor H. G. Wells os grandes divulgadores das idéias que influenciariam os pioneiros da astronáutica.

O primeiro cientista a compreender a utilidade dos foguetes na astronáutica e a estudar as bases teóricas de sua utilização foi o cientista russo Konstantin Edwardovitch Tsiolkovski (1857-1935) que as escreveu sobre Júlio Verne: ?Durante muito tempo pensei no foguete como todo mundo, considerando-o apenas um meio de diversão, com algumas aplicações pouco importantes na vida corrente. Não me lembro exatamente quando me veio a idéia de fazer os cálculos dos seus movimentos. Provavelmente, os primeiros germes dessa idéia foram fornecidos pelo fantástico Júlio Verne e, em conseqüência deste grande autor, meu pensamento orientou-se nesta direção, estimulando o desejo que, mais tarde, impulsionou o espírito do meu trabalho.?

Não foi, entretanto, Tsiolkovski o único a sofrer as influências do escritor francês; o engenheiro norte-americano Robert Hutchings Goddard (1882-1945), pai da moderna tecnologia dos foguetes, em um ensaio autobiográfico escrito em 1927 e publicado em 1959 na revista Astronautics, reconheceu a influência das obras de ciência-ficção, tais como os clássicos de De la Terre à la Lune de Júlio Verne e The War of lhe Worlds de H. G. Wells, com as seguintes palavras: ?Eles afetaram maravilhosamente a minha imaginação, incitando-me a pensar sobre os caminhos e meios possíveis à realização dessas maravilhas?.

Outro pioneiro que teve o seu interesse pela astronáutica estimulado pelos grandes romancistas da ciência-ficção do século XIX, em especial por Júlio Verne, foi o terceiro grande responsável pelas idéias fundamentais da ciência espacial, o engenheiro alemão Hermann Oberth (1894-1989). Assim escreveu Oberth em sua autobiografia: ?Tinha onze anos quando recebi de presente de minha mãe os célebres livros de Julio Verne, que já li ao menos cinco ou seis vezes, até os saber de memória?.

O próprio engenheiro alemão Wernher Von Braun (1912-1977), que dirigiu os primeiros lançamentos de satélites e foguetes norte-americanos, confessou inúmeras vezes que os autores de ficção científica, dentre eles Júlio Verne, haviam-se entusiasmado profundamente na juventude.

Tal influência, entretanto, não se fez somente junto àqueles que estabeleceram as bases fundamentais da astronáutica, pois a leitura, na juventude, de Júlio Verne iria animar também outros homens de ciência, tais como os astrônomos, biólogos, físicos, matemáticos, etc.

Assim, o grande físico norte-americano George Gamow (1904-1968) que, além de ter sido o responsável pela moderna cosmologia, escreveu também inúmeros livros de divulgação científica, traduzidos em quase todos os idiomas, confessou que desde a idade de sete anos fora fascinado pelas histórias de Júlio Verne que a sua mãe lia em voz alta.

Livros como os de Júlio Verne certamente fizeram e ainda fazem muito mais no sentido de inspirar as vocações de futuros cientistas, do que todos os ensinamentos ministrados nas escolas, pois a dedicação desses jovens nas aulas de Ciências foi, sem dúvida, motivada por aquelas leituras.

Como toda sociedade tem que cultivar a Ciência, pois ela está intimamente associada à evolução de nossa civilização, é fundamental procurar incentivar o interesse dos jovens pelas ciências o mais cedo possível, através de leituras voltadas para as histórias de antecipação científica, como aliás se pode fazer indiretamente por intermédio de filmes ou histórias em quadrinhos, onde ocorrem relatos de conquista espacial. Isto é o que se vem fazendo nos outros países, como nos EUA, onde se procura desenvolver o caráter criativo da criança desde cedo. Assim também ocorreu com as histórias de Júlio Verne, que entusiasmou os pioneiros da astronáutica.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão fundador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual hoje é pesquisador titular e autor de mais de 75 livros, entre outros, do ?Explicando a Teoria da Relatividade.? Consulte a homepage: www.ronaldomourao.com

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