Inovação na terapia antitumoral

Um anticorpo é uma estrutura protéica complexa biossintetizada no organismo humano ou animal em resposta a um estímulo ou desafio estranho cuja natureza química é usualmente outra proteína, polissacarídio ou ácido nucléico e que leva o nome de antígeno. A posterior reação antígeno-anticorpo (Ag-Ac) leva, portanto, à neutralização (perda da atividade biológica) de uma nova parcela de antígeno.

É o princípio no momento aplicado na vacina antigripal que emprega frações moleculares do vírus influenza para preparar a vacina (antídoto ou anticorpo específico). Normalmente o sistema imunológico elabora vários anticorpos por vez dada a alta incidência de entidades estranhas ao organismo (vírus, bactérias, fungos). Após a descoberta do pesquisador argentino Cesar Milstein (detentor de mais de 2 dezenas de premiações internacionais, inclusive o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1984), comprometendo um cultivo de células imunocompetentes para elaborar um único e específico antígeno, abriram-se as portas para a elaboração de anticorpos monoclonais, sem os incovenientes de reações Ag-Ac paralelas ou cruzadas.

O default da reação de neutralização é portanto uma proteína de defesa (Ac) anulando uma proteína de ataque (Ag). Eventualmente um grupo de açucares (como numa glicoproteína ou numa proteoglicana) ou fragmentos de ácidos nucléicos podem atuar também como antígenos. O que nunca havia sido reportado na literatura é o desenvolvimento de um anticorpo específico para a interação, combate e anulação de um antígeno lipídico, molécula de comportamento físico totalmente diferente dos antígenos usuais, dada sua completa insolubilidade em água. Pois foi exatamente esta entidade molecular não hidrossolúvel a que foi alvo do trabalho de pesquisadores da companhia biotecnológica Lpath Therapeutrics de San Diego, Califórnia. O alvo do anticorpo monoclonal preparado, designado de Sphingomab, é a esfingosina-1-fosfato (S1P), um lipídio da série dos esfingolipídios (enriquecidos nos tecidos nervosos e membrana celular em geral), cujo teor aparece notavelmente elevado em tumores e que comanda modificações celulares ou tissulares importantes tais quais a angiogênese, ou seja, a estimulação do processo de autovascularização da massa tumoral em crescimento, posto que um tumor é ávido de sangue (nutrientes e oxigênio) dada sua alta taxa de metabolismo. Segundo Roger Sabbadini, cientista-chefe do projeto, o Sphingomab atua como uma eficiente "esponja" coletora de S1P, "zerando" pois o conteúdo deste esfingolipídio na massa tumoral e por via de conseqüência, eliminando, em testes com animais, o tumor propriamente dito. Como à S1P são atribuídos 2 papéis, o estímulo de crescimento e espalhamento das células tumorais e o estabelecimento de novos vasos sangüíneos, a ação do Sphingomab revelou-se de extremo valor no controle global do processo cancerígeno.

Nos testes com camundongos onde adrede se implantaram tumores, encontrou-se que o Sphingomab pode anular dois terços dos tumores ovarianos e metade daqueles de mama e pulmões. Igualmente foram controlados casos de melanoma (câncer de pele).

Como se passa com a gripe e na própria aids, o combate com vacina (exploração da reação Ag-Ac) enfrenta uma dificuldade. Como os antígenos protéicos (e em certa medida os nucleotídicos com a variação das 4 bases nitrogenadas A, G, C, T em trios) são constituídos de polímeros baseados em 21 diferentes aminoácidos, é extremamente fácil que o antígeno evolua para uma mutação, invalidando pois a eficácia do anticorpo contra o antígeno original. No caso do combate a um antígeno lipídico, isto não se dá: a molécula de lipídio é quimicamente mais simples e única. Não há simplesmente chance de evolução química ou físico-química da molécula. Daí a grande esperança que se deposita no novo achado que a companhia inovadora espera colocar no mercado de saúde após os testes com seres humanos que deverão ser iniciados em 2007.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR no Departamento de Farmácia, 11.º Prêmio Paranaense em C&T e pesquisador 1.ª do CNPq.

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