Gordura trans é uma vilã invisível

A gordura trans está sendo apontada como uma das grandes vilãs quando o assunto é saúde. Usada em larga escala na produção de alimentos desde a década de 1990, os pesquisadores afirmam que o seu consumo está associado a diversas doenças, especialmente enfartes e derrames.

Para se livrar deste perigo basta o consumidor comprar produtos que tragam em seu rótulo a indicação de que não contêm gorduras trans, certo? Errado. De acordo com a legislação, a indústria pode afirmar na embalagem que o produto é livre deste tipo de gordura quando uma porção tiver menos de 0,2 gramas a cada 100 gramas.

O problema é que as pessoas não se contentam com apenas uma porção. No caso de wafers, por exemplo, chegam a comer o pacote todo. Desta forma, ingerem mais do que o aceito para um dia que é 2,1 gramas a cada 100 gramas recomendado pela Organização Mundial da Saúde. E isto acontece sem o consumidor se dar conta do perigo.

O professor Jesuí Vergílio Visentainer do Departamento de Química da Universidade Estadual de Maringá (UEM) explica que a gordura trans existe na natureza – como na carne e no leite – mas em níveis muito baixos e não chegam a fazer mal à saúde.

Mas há cerca de 20 anos a indústria começou a usar a tecnologia em larga escala para criar a gordura, acrescentou hidrogênio ao óleo líquido para que ele adquirisse uma consistência pastosa. Esse processo gera a gordura trans que faz mal para a saúde.

O produto é utilizado porque os alimentos produzidos com esta substância são mais saborosos, ficam mais crocantes, adquirem uma aparência dourada e ainda duram mais tempo nas prateleiras.

Atenção

Para não ingerir a substância é preciso ficar de olho nas embalagens e prestar atenção aos valores nutricionais. Eles se referem às porções e não a quantidade presente no pacote.

No caso de bolachas recheadas, por exemplo, dependendo da marca, cinco unidades praticamente atingem a cota máxima aceitável de gordura trans para um dia, ou seja, 2 gramas.

Os wafers também são campeões. Quatros biscoitos de algumas marcas já possuem 2,6 gramas. Além disso, ao longo do dia, pode-se ingerir outros produtos que também podem ter a substância.

Mas olhar apenas a tabela de nutrição não traz garantias. Em muitas delas o fabricante diz que o produto é livre de gordura trans. Mas isso não é verdade: ele apenas reduziu a quantidade a menos 0,2 gramas por porção.

Neste caso, segundo a gerente de produtos especiais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonia Aquino, o consumidor deve olhar a lista de ingredientes. Caso houver os termos “gordura vegetal hidrogenada” ou “parcialmente hidrogenada”, isso é sinônimo de gordura trans.

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Já para o professor associado do departamento de nutrição da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Raul Von Der Heyde, nem mesmo olhando os ingredientes os consumidores podem ter garantias de que realmente estão livre da gordura trans.

Algumas bolachas trazem apenas o ingrediente “gordura vegetal” e o termo “hidrogenada” não aparece. Neste caso, ele diz que as pessoas devem olhar com desconfiança para o produto.

Explica que existem duas maneiras de fazer com que o óleo adquira a consistência pastosa: um deles é a hidrogenação e o outro é o que resulta em uma gordura interesterificada, que não origina gordura trans. Mas quando esse é o processo, vem especificado no produto.

Segundo o professor Von Der Heyde, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) divulgou no ano passado um dado dando conta que apenas 30% dos produtos que usavam a gorduras trans substituíram o processo de fabricação pelo processo de obter gordura interesterificada. Outro problema está relacionado aos produtos que não possuem embalagem, como frituras, pães e sorvetes.

Banimento

A Dinamarca, por exemplo, baniu a gordura trans do país e a cidade de Nova York proibiu o seu uso pelos restaurantes da cidade. Para o professor Von Der Heyde, a legislação brasileira é falha quando não deixa claro para o consumidor quanto de gordura trans ele está consumindo.

O decreto que obriga a indústria a especificar se há a substância e a quantidade nos produtos entrou em vigor em 2006. Para ele, as falhas são resultado do lobby feito pelo indústria alimentícia.

Alimentos industrializados apresentam maiores riscos

Por causa da falta de tempo, cada vez mais as pessoas optam por alimentos industrializados. Mas são estes produtos que mais apresentam risco para a saúde pela presença de gorduras trans.

Segundo a médica Silmara Leite, professora de Clínica Médica da Universidade Positivo, é comum ver as pessoas preocupadas com a gordura de carnes como a da costela, mas que escolhem comer diversas bolachas recheadas. “A gordura trans traz mais riscos para a saúde do que a gordura animal”, avisa a médica.

Leite explica que a gordura trans aumenta o colesterol ruim, chamado de LDL, e diminui o bom, chamado de HDL, provocando a aterosclerose. Placas de gordura vão se formando dentro das artérias e gradativamente vão impedindo a circulação sangüínea.

Resultado disto pode ser o enfarto e o acidente vascular cerebral (AVC). Além disto, a gordura também pode favorecer indiretamente o aparecimento de outras doenças como a pressão alta e o diabetes.

A médica diz que na última década aumentou o número de pessoas mais jovens, com idade entre 40 e 45 anos, que apresentam problemas do coração e AVC. A falta de uma dieta saudável é apontada como um dos problemas.

Ela diz ainda que os pais devem ficar mais atentos ao que os filhos consomem. A tendência é que, se a quantidade de salgadinhos e bolachas recheadas não for controlada, essas doenças já apareçam por volta dos 35 anos.

Presença

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2,1 Gramas ou 1% do total calórico é o consumo máximo diário de gordura trans recomendado pela OMS.

São vários os alimentos que possuem gordura trans: biscoitos -principalmente os recheados e tipo wafer -, sorvetes, chocolates, macarrão de preparo rápido, temperos prontos, pipoca de microondas, pães (em especial as massas doces) achocolatados, salgadinhos, algumas marcas de margarinas e fast food em geral.
A professora do curso de nutrição da Universidade Positivo Simone Paraná diz que, apesar de aceitável um certo limite de ingestão diário de gordura trans, ele não é recomendável.

Ela cita ainda outros produtos que têm a gordura como os empanados de frango, que são pré-fritos, e os molhos de saladas. Diz que a recomendação é para que as pessoas procurem preparar as próprias refeições e no caso das saladas prefiram o azeite de oliva, que ajuda a aumentar o colesterol bom.

Pesquisas geram livros

O professor Jesuí Vergílio Visentainer, do Departamento de Química da Universidade Estadual de Maringá (UEM), juntamente com outros professores, desenvolve várias pesquisas envolvendo gorduras.

Entre elas, a que identifica e quantifica com precisão a gorduras trans nos alimentos. O serviço é prestado para empresas que, com o laudo em mãos, podem fazer o rótulo e colocar o produto no mercado. Dos trabalhos dos pesquisadores já resultaram dois livros.

O primeiro, mais técnico, é Ácidos graxos em óleos e gorduras: identificação e quantificação, de autoria do professor Nilson Eve,lázio de Souza da UEM e da professora Maria Regina Bueno Franco da Universidade Estadual de Campinas. A outra publicação é Colesterol da mesa ao corpo, de autoria de Evelázio e Visentainer. Ajuda o leitor a entender como o colesterol atua no organismo.