Como explicar o fenômeno da escuridão da noite?

Por que a noite é escura? Nesse período do dia, quando observamos o céu, registramos a existência de algumas estrelas muito brilhantes, um número maior de estrelas de brilho médio e um grande número de estrelas de brilho fraco.

A pergunta de por que o céu à noite é escuro parece ridiculamente banal pelo fato de estarmos habituados desde criança com a alternância dia/noite, à qual associamos respectivamente a presença e a ausência do Sol.

A resposta mais freqüente é de que à noite estamos na parte da Terra que não está voltada para o Sol, enquanto do outro lado o Sol ilumina o globo terrestre dando origem ao dia. Assim, quando o Sol ilumina uma parte da Terra, a outra fica na sombra.

Convém lembrar que as estrelas que vemos à noite brilham também durante o dia. Não as observamos em virtude da difusão da luz solar na atmosfera. Aliás, se não fosse a atmosfera, seria possível observar o céu escuro, com algumas estrelas, mesmo durante o dia.

De fato, esta explicação seria correta se fosse possível demonstrar que a contribuição luminosa proveniente dos outros objetos celestes (estrelas, nebulosas, galáxias) no universo é desprezível. Isto não é fácil de demonstrar como poderia parecer à primeira vista.

Ao contrário, se aceitarmos o universo como infinito, o fundo do céu noturno, em vez de ser escuro, deveria ser uniformemente luminoso, pois em qualquer região para onde dirigíssemos o nosso olhar deveríamos encontrar uma estrela.

De fato, se as estrelas estivessem distribuídas de modo uniforme em todas as direções no espaço infinito, o fundo do céu pareceria luminoso, em vez de escuro. Essa contradição relativa a um fenômeno tão simples, como o escuro da noite, constitui, por incrível que pareça, uma das bases da cosmologia moderna.

Se bem que o desafio em encontrar, para escuro do céu noturno, uma explicação que elimine o conflito entre a teoria e a observação tenha sido meticulosamente estudado pela primeira vez pelo astrônomo vienense Heirich Olbers (1758-1840), em uma monografia intitulada On the Transparency of Space (1823), a idéia, no entanto, não era nova, assim como as inúmeras soluções propostas.

A origem do famoso paradoxo do céu noturno escuro surgiu com Kepler, em sua obra Dissertatio cum muntio sidereo (1610). Ao se opor às idéias de um universo infinito, expõe a hipótese de que se o número de estrelas visíveis fosse infinito e estas possuíssem luz própria como o Sol, “a abóbada celeste seria tão luminosa como o Sol”.

Tais idéias de uma esfera celeste luminosa foram, mais tarde, em 1720, expostas na Royal Society de Londres pelo astrônomo inglês Edmund Halley (1656-1742), como argumento contra as idéias newtonianas de um universo infinito.

O astrônomo suíço Jean-Philippe Loys de Cheseaux (1718-1751), em seu Traité de la Comète (1744), atribuiu o escuro do céu noturno à absorção que a luz das estrelas sofreria ao atravessar um fluido que deveria existir distribuído através do espaço interestelar.

Essa idéia foi de novo proposta em 1823, por Olbers. Mais tarde, em 1848, o astrônomo inglês John Herschel demonstrou que as idéias de Chescaux e Olbers eram completamente falsas, pois o gás interestelar, absorvendo as radiações luminosas, eventualmente poderia emitir muito mais radiações do que as recebidas.

Ausência de explicação

A expressão “paradoxo de Olbers” foi introduzida pela primeira vez pelo físico inglês Herman Bondi em seu livro Cosmology (1960). Apesar de sua impropriedade, teve uma aceitação definitiva e universal. Verdadeiramente, não se trata de um paradoxo, no sentido típico como é definido nos dicionários.

Assim, de acordo com o Aurélio, p,aradoxo conceitua o “que é ou parece contrário ao comum, contra-senso, absurdo, disparate”. Ora, na realidade, o fato do céu noturno ser escuro não foi um paradoxo para Kepler, Halley, Cheseaux, Olbers e Bondi, como muito bem analisou o astrônomo inglês E.R. Harrison, em seu livro Cosmology (1981): o que havia era uma ausência de explicação lógica para o fenômeno.

Durante três séculos e meio, os astrônomos propuseram várias soluções para o paradoxo de Olbers. Todos eles não chegaram à explicação verdadeira. Por incrível que pareça, foi o poeta e escritor norte-americano Edgar Allan Poe quem propôs a solução correta.

Em seu ensaio Eureka (1848), talvez o menos popular dos seus escritos, Poe escreveu: “Se a sucessão das estrelas fosse infinita, então o fundo do céu nos apresentaria uma luminosidade uniforme, como a ostentada pela Galáxia – pois que não haveria nenhum ponto, em todo aquele fundo, em que não existisse uma estrela.

Por conseqüência, a única maneira, em tais condições, pela qual poderíamos compreender os vácuos que nossos telescópios encontram em inúmeras direções seria supor a distância deste fundo invisível tão imensa, que nenhum raio dele conseguiu chegar ainda até nós”.

A visão científica deste, bem como de inúmeros outros problemas astronômicos, discutidos em Eureka, como haviam notado eminentes ensaistas e poetas como Paul Valéry (1871-1945), tornam esse poema em prosa, como o descrevia Poe, uma das mais notáveis obras do escritor norte-americano.

Tal explicação, elaborada há mais de 130 anos antes da verdadeira explicação, é a prova de que um poeta, ou melhor, um cientista amador, por estar afastado das limitações do sistema dominante e sem receio de ser criticado e perseguido pelo establishment, pode conservar a sua percepção desinibida.

Convém lembrar que Poe não aceitava o universo infinito de Newton, o que fez que às suas considerações anteriores ajuntasse: “Que isso possa ser assim, quem se aventurará a negar? Sustento, simplesmente, que não temos uma sombra de razão em acreditar que seja assim”. Desse modo, Poe afasta a solução correta em favor de um universo finito.

No inicio do século, a descoberta de que todas as estrelas estavam concentradas em galáxias não alterou o problema. Tal paradoxo fotométrico pareceria insolúvel, até que surgiu a teoria da expansão do universo. A expansão geral do universo foi descoberta um século depois de Olbers ter formulado esse paradoxo.

A luz das estrelas nas galáxias distantes se desloca para os comprimentos mais longos por essa expansão cosmológica, e nesse processo sua energia se reduz. As estrelas mais distantes estão assim progressivamente enfraquecidas, ao contrário do que ocorreria em um universo em que não houvesse expansão.

Desse modo, os argumentos de Olbers caíram por terra. Por outro lado, se realmente, segundo a lei de Hubble, as galáxias se afastassem proporcionalmente à sua distância, chegaria um momento em que sua velocidade de recessão atingiria a velocidade da luz.

Ao atingir essa posição no universo, as galáxias teriam atingido o que se convencionou denominar de horizonte cosmológico, além do qual o universo se torna inobservável.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é astrônomo, membro do IHGB, escritor de 85 livros, entre outros do O livro de ouro do Universo.