Carotenóides: constituintes da dieta

Carotenóides são pigmentos orgânicos naturais que ocorrem nas plantas, em organismos fotossintéticos como as algas e também em alguns fungos e bactérias. Mais raramente são encontrados também no reino animal, mas isto se dá através do acúmulo a partir da dieta. É o caso, por exemplo, do salmão, camarões e lagostas que acumulam um carotenóide oxigenado, a astaxantina. Os flamingos e guarás, alimentando-se de moluscos, acumulam, nas penas, a cantaxantina, uma forma menos oxigenada do que a astaxantina.

Mais de 600 diferentes estruturas carotenóidicas estão descritas na literatura e genericamente são subdivididas em 2 classes : carotenos (constituídos apenas de carbono e hidrogênio) e xantofilas (quando a cadeia, geralmente de 40 átomos de C, é oxigenada). As cores típicas dos carotenóides derivam da cadeia poliênica insaturada (-CH=) e as derivatizações químicas típicas para cada espécie. Assim, as xantofilas luteína e zeaxantina dão a coloração amarela típica do milho (igualmente presentes na mácula do olho humano), o beta-caroteno a alaranjada da cenoura e o licopeno a vermelha do tomate [1]. Nos organismos de origem (e.g., plantas) os carotenóides desempenham papel vital no mecanismo fotossintético de captação e transferência da energia oriunda da luz. Nos organismos consumidores (homem e animais), os carotenóides brindam eficiente mecanismo de combate e destruição dos radicais livres, estes responsáveis pelo envelhecimento e morte celular. Está cientificamente provado que pessoas com elevada dieta de beta-caroteno (e portanto maior teor plasmático em circulação) tem risco de câncer pulmonar reduzido. Esta situação, todavia, dá resultado contrário quando se trata de fumantes. Alguns carotenóides (beta- e alfa-caroteno; criptoxantina) da dieta vegetal são precursores da vitamina A (retinol, retinal, ácido retinóico) essencial para o processo perfeito da visão. A falta implica em cegueira noturna (xeroftalmia). As melhores fontes de vitamina A de origem animal são o fígado de boi, fígado de galinha e leite (respectivamente 27.000 , 12.000 e 500 UI / 85 g ou 240 mL). Quanto às fontes vegetais, a cenoura, espinafre e repolho (22.000 , 11.000 e 9.000 UI / porção de 120 mL) são as predominantes para a provisão dos pré-vitâmeros.

Para o licopeno foi bem estabelecido um papel antioxidante das lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e portanto gerando um risco reduzido de ateroesclerose e de doença coronária cardíaca {Agarwal, S. e Rao, A.V., Lipids 33 (1998) 981-984}. Dois copos / dia de suco de tomate (ou uma generosa salada do legume) são suficientes para prover as necessárias 40 mg diárias de licopeno tal para tal efeito benéfico. Alguns produtos da degradação de carotenóides naturais tais como as iononas, damasconas e damascenonas (fragmentos C9 a C13) são fragrâncias extensivamente utilizadas em perfumaria e na indústria alimentícia. Elas são responsáveis, por exemplo, pelo odor da rosa, mas também contribuem para os odores típicos do chá verde, tabaco envelhecido e uvas. O safranal aromatiza o mate e a páprica.

Alguns carotenóides naturais, em vista da convincente literatura acumulada no tocante a seus efeitos benéficos antioxidantes, entre eles, o de destruição de radicais livres e espécies reativas do oxigênio (EROs), são objeto de extensiva exploração industrial seja de fontes naturais (e.g., cápsulas farmacêuticas de licopenode tomate), por via de síntese química (e.g., a série Carophylls da Hoffmann-LaRoche e similares da Basf utilizadas no tingimento de carnes de frangos e crustáceos com cantaxantina, astaxantina e ácido apocarotenóico na forma de éster etílico ) ou por via biotecnológica (cultivo massivo de leveduras astaxantinogênicas como Xanthophyllomyces dendrorhous ou algas como Haematococcus pluvialis). Uma fonte natural atrativa para o isolamento de astaxantina (impraticável, por ex., a partir de lagostas) é o microcrustáceo krill (Euphausia superba). A astaxantina tem se revelado um carotenóide de superior qualidade quando comparada ao beta-caroteno no tocante a propriedades antioxidantes medidas mediante ensaios in vitro {Lawlor,S.M. e O’Brien, N.M., Nutr. Res., 15 (1995) 1695-1704}. Além disto, a oxigenação das cabeças iononas terminais lhe confere maior estabilidade química. Além de emprestar aos animais portadores um aspecto atrativo (salmão, truta arco-íris, camarões e lagostas), a astaxantina, in vivo, desempenha importante papel na fisiologia animal. Como exemplo, ela impede a rancificação das gorduras insaturadas do salmão mesmo durante o armazenamento a baixas temperaturas. Em certos animais marinhos (salmões coho e sockeye) o teor de astaxantina pode alcançar entre 14 e 40 mg / kg de carne. Este carotenóide apresenta algum refinamento do ponto estrutural: a) a isomeria decorrente dos carbonos quirais (3 e 3′) das cabeças iononas (gerando os isômeros R-R, S-S e R-S) e b) a capacidade de ocorrer sob a forma de éster(es) através da ligação de ácidos graxos nas hidroxilas. Estas particularidades estruturais estão efetivamente presentes nas ocorrências naturais. Por exemplo, a levedura Xanthophyllomyces acumula o enantiômero R-R enquanto na alga Haematococcus prevalece o enantiômero S-S, o mesmo caso do salmão. A astaxantina sintética é usualmente uma mistura 1:2:1 dos enantiômeros S-S, R-S e R-R. A astaxantina (graças às cabeças oxigenadas) exibe forte interação com algumas proteínas resultando em alteração da cor (efeitos ipsocrômico e batocrômico). É o que ocorre na comparação da coloração de lagostas e crustáceos frescos (tom verde-azulado) com aqueles cozidos (tom avermelhado).

Um carotenóide reage com uma ERO tanto por mecanismo físico quanto químico. Assim, no primeiro caso, o carotenóide (1Car) absorve o excesso de energia da forma excitada do oxigênio (1O2*) ou oxigênio singlet transformando-o em sua forma básica e benéfica (3O2). O carotenóide excitado (3Car*) em seguida "relaxa" ao seu estado nativo e perde a energia excedente sob a forma de calor, de forma de que não há perda ou consumo do carotenóide: 1O2* + 1Car -: 3O2 + 3Car* ; 3Car* -: 1Car + calor

A ordem decrescente de eficiência deste mecanismo de ação não destrutivo para carotenóides ("quenching") foi avaliada como: licopeno (103), astaxantina (80), beta-caroteno (47), luteina (27) e alfa-tocoferol (1).

O segundo mecanismo de destruição de EROs, via reação química ("scavenging"), implica no consumo do carotenóide na proteção da arquitetura celular (DNA, lipídios de membrana, glicogênio) e é multifacetado. Como exemplo um radical livre oxigenado ou nitrogenado (R-O2 .) pode obter um elétron do carotenóide transformando-o num cátion (Car +): R-O2. + Car -: R-O2- + Car +

A exploração de novas metodologias para satisfazer novos nichos comerciais para carotenóides se impõe, tendo em conta sua propriedade de insolubilidade em água. Um exemplo é o encapsulamento de bixina (carotenóide oxidado dominante no urucum, Bixa orellana, em ciclodextrinas (derivados cíclicos de amido) [2], convertendo então o carotenóide natural numa forma hidrossolúvel.

Notas:

(1) J.D.Fontana, S.V. Mendes, D.S. Persike, L.F. Peracetta e M. Passos (2000). Carotenóides : cores atraentes e ação biológica. Biotecnologia, Ciência e Desenvolvimento, ano II, no. 13, 40-45.

(2) S.V.M.O. Lyng, M. Passos e J.D.Fontana (2005). Process Biochemistry 40, 865-872.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T. 

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