Brasileiro vai torcer em alta definição

A Copa do Mundo de 1970, no México, foi ao mesmo tempo o evento que marcou as primeiras transmissões ao vivo da televisão brasileira – fazendo com que as pessoas se acotovelassem em frente a vitrines devido à pouca quantidade de aparelhos disponíveis no País – e foi o ano do tricampeonato da seleção. Já a Copa de 2006, na Alemanha, mesmo que não se possa afirmar com certeza que será a Copa do hexacampeonato, ao menos significará outro marco para a televisão brasileira, marcando as primeiras transmissões de TV em alta definição (HDTV) em caráter experimental para os canais de sinal aberto.

E assim como em 1970, apenas uns poucos felizardos no País terão oportunidade de perceber a diferença, já que os aparelhos de alta definição ainda são raros no Brasil, devido ao seu elevado preço. Mas quem já teve chance de assistir a uma transmissão em algum dos modelos disponíveis no mercado, sabe que o investimento vale a pena. A imagem tem resolução pelo menos duas vezes superior à dos aparelhos tradicionais. Numa partida da Copa, por exemplo, o serviço digital possibilitará escolher por qual câmera assistir a um replay ou até mesmo a partida toda e receber transmissões em D-wide, ou seja, com maior campo de visão horizontal do que vertical, o que, no futebol, faz muita diferença.

A migração dos canais nacionais de TV aberta, analógicos, para esse novo tipo de padrão permitirá muito mais qualidade de áudio e imagem, além de maior interatividade com o telespectador. O novo formato permite enviar e receber dados pelo televisor, como se fosse um computador. Num programa de auditório, por exemplo, quem assiste poderia participar da disputa e responder de sua casa às questões de algum teste. Bastaria selecionar a alternativa correta apertando um dos botões do controle remoto.

Disputa

Mas como não podia deixar de ser, a TV digital brasileira vem acompanhada de muita polêmica em torno da definição do padrão: europeu, norte-americano, japonês ou até mesmo um criado no Brasil. Com data marcada para acabar, 10 de fevereiro, a disputa indica que o sistema nipônico será o adotado no País. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, que até mesmo definiu o feriado de 7 de setembro como a data para o início da operação comercial do sistema, disse que quem apostar que o sistema de alta definição japonês, com algumas adaptações, será o adotado pelo Brasil, não vai perder a aposta.

De acordo com o ministro, as principais redes de televisão brasileiras (Globo, SBT, Bandeirantes, Record, CNT e Rede TV) já se comprometeram a participar da implantação. O governo prevê também para setembro o começo das vendas de conversores do sistema analógico para o digital. Esses terminais, chamados set-top box, deverão custar até U$ 150 (ainda assim infinitamente mais baratos que um televisor de última geração), e apenas decodificam o sinal e algumas informações, mas a qualidade da imagem é a mesma que a maioria das pessoas vêem em suas casas atualmente. Por enquanto, apenas quem têm acesso a operadoras de TV por assinatura por satélite, a Sky e DirecTV, já recebem o sistema digital.

Na prática, cada padrão em disputa no mercado tem sua vantagem. O americano – primeiro a entrar no mercado – prima pela alta qualidade de imagem. O europeu se preocupa mais com a interação entre telespectador e emissora. Já o japonês, pela facilidade no uso da imagem em aparelhos móveis, como PDAs (computadores portáteis) e celulares, além de ter um sistema de transmissão robusto, adequado ao terreno acidentado de algumas cidades brasileiras. A Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações já divulgou sua preferência pelo pacote japonês, a qual o Ministério das Comunicações atribui um peso de 50% na decisão. Pesquisas realizadas pela Universidade de São Paulo (USP) apontam na mesma direção e prevêem também melhorias em relação aos padrões adotados pelos japoneses.

Idéia de padrão próprio gera muita polêmica

Nas gestões anteriores no Ministério das Comunicações se cogitou a adoção de um padrão próprio, nacional, mas isso representaria um investimento altíssimo, com utilidade duvidosa. Mesmo assim, se incentivou a criação do sistema brasileiro em universidades e centros de pesquisa. O setor empresarial esperneou e se disse preocupado com a possibilidade de o governo tomar uma decisão sem ouvir a indústria. Até que, durante um evento de telecomunicações, em outubro, Hélio Costa pareceu abandonar o discurso anterior do governo que assustava executivos de multinacionais (que temiam uma espécie de reserva de mercado no setor) e passou a defender um aprimoramento da atual Lei Geral das Telecomunicações -que também trata da radiodifusão, alinhando-se às demandas do setor.

Mas as declarações de Costa de que o Brasil não tem condições para desenvolver um novo padrão de televisão digital, para alguns especialistas, foram precipitadas. Para o professor Marcelo Zuffo, do Laboratório de Sistemas Integrado (LSI) da Escola Politécnica (Poli) da USP, ?é uma precipitação descartar esta opção da maneira que foi feita. Apesar de concordar que seria muita pretensão o Brasil desenvolver padrão próprio, por outro lado não acho que devemos aceitar um dos já estabelecidos?. Zuffo lidera três consórcios que desenvolvem tecnologias na área, com verba federal.

Até por ser um ponto estratégico nas negociações com os detentores dos padrões de TV digital mais desenvolvidos, a possibilidade da elaboração da versão nacional não deveria ser totalmente descartada, acreditam os especialistas. ?O ideal seria criar um sistema latino-americano, com o Brasil exportando tecnologia para seus vizinhos?, diz Ricardo Musse, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, que foi um dos organizadores do Fórum da TV Digital da USP. Zuffo diz ainda que nenhum dos padrões estabelecidos se preocupou em ser compatível com os requisitos brasileiros e de outros países em desenvolvimento.

?Em certo aspecto, foi até uma vantagem entrarmos nestas pesquisas com um certo tempo de atraso, pois não começamos do zero e já aprendemos bastante com os erros dos outros?, avalia Zuffo. Para o ministro Hélio Costa, o padrão nacional não seria possível principalmente por conta dos investimentos brasileiros nas pesquisas, da ordem de R$ 80 milhões por ano. No entanto, Zuffo calcula que o Brasil até agora gastou muito menos que os outros países. Estima-se que Japão e Estados Unidos tenham gasto, em seus projetos, US$ 2,8 e US$ 3 bilhões, respectivamente. ?Uma vez que já inventaram a roda, fica mais fácil de produzi-la?, conclui Musse, numa alusão à afirmativa do ministro de que a tentativa brasileira seria reinventar o artefato. (DD)

Operação comercial vai demorar cerca de um ano

?Uma vez definido o padrão, um período de um ano a um ano e meio será necessário até o início da operação comercial da TV digital no Brasil?, afirma Roberto Franco, diretor do SBT e presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações. É o prazo para adaptar a produção e a transmissão, estabelecer um novo modelo de publicidade e conteúdos específicos e atingir ?escala de público? – entenda-se as classes A e B, que devem aderir em até cinco anos.

De qualquer maneira, a transmissão analógica não será abandonada logo de cara: o modelo de transição brasileiro exige que as emissoras usem um segundo canal para transmitir digitalmente, mantendo o modelo tradicional até que a grande maioria da população tenha aderido. Costa calcula que seja necessária uma década para isso. Nos EUA, onde o processo foi iniciado em 1997, apenas 12% da população já está adaptada à TV digital. Lá, o prazo final para a mudança de tecnologia é abril de 2009.

Guerra no mercado

Nos EUA, o preço dos aparelhos tem caído 40% ao ano, fenômeno que já está se repetindo no Brasil conforme aumenta a procura. Mas a grande indecisão do momento é comprar ou não uma TV nova – de tela plana, cristal líquido ou de plasma. Qualquer consumidor tem um frio na barriga diante da hipótese de investir mais de R$ 10 mil num aparelho que pode tornar-se obsoleto em poucos anos. A angústia atinge também a indústria. Há uma guerra pelo mercado das TVs de tela plana, entre os aparelhos de plasma e os de cristal líquido, tecnologias que podem perecer num curto período de tempo.

Numa recente feira de eletrônicos no Japão, a empresa Matsushita, que fabrica produtos com a marca Panasonic, pôs lado a lado uma tela de cristal líquido e outra de plasma, para evidenciar a melhor qualidade da imagem desta última. Também brandiu uma pesquisa da Universidade Municipal de Osaka segundo a qual os telespectadores acham as telas de plasma mais confortáveis para os olhos. A Sharp e outros fabricantes de LCDs protestaram e conseguiram que os organizadores da feira banissem a comparação. E essa discussão pode se tornar obsoleta já nos próximos dois anos graças ao advento de telas Oled, sigla para ?diodo orgânico emissor de luz?, tecnologia ainda experimental que promete telas mais leves, brilhantes e que consumam menos energia.

A TV de plasma usa gás, que ao reagir com a corrente elétrica gera cores e imagens. Já o televisor de LCD tem o cristal líquido prensado em camadas de vidro que reagem com a energia para formar as imagens. Segundo os fabricantes, quem quer tela bem grande, com mais de 42 polegadas, deve escolher o televisor de plasma. Já a TV de cristal líquido atende, com melhor preço, quem busca modelos de até 32 polegadas. (DD) 

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