As conferências de Einstein no Brasil

Conferência sobre relatividade restrita no Clube de Engenharia (quarta-feira, 6 de maio): às 16h, após visitar o Ministro da Justiça, Afonso Pena Júnior, Albert Einstein pronunciou no Clube de Engenharia uma conferência em francês, explicando minuciosamente a teoria da relatividade, assim como os estudos que o conduziram àqueles resultados. Esta palestra foi resumida no O Jornal, no dia seguinte:

No salão nobre do Clube de Engenharia, às 16:30h, realizou o professor Einstein a sua primeira conferência, das duas que pretende levar a efeito nesta capital. Grande era a afluência de pessoas no salão nobre do Clube, ávidas de ouvir a palavra autorizada, do ilustre criador da teoria da relatividade, na exposição dos conhecimentos, que o seu esclarecido cérebro foi capaz de desvendar.

O professor Einstein permaneceu no salão de recepção até que tivesse sido aberta a sessão, a qual foi presidida pelo dr. Getúlio das Neves que designou uma comissão, constituída pelos drs. Henrique Morize, Daniel Henninger, Zózimo Barroso e Floresta de Miranda, para conduzir o ilustre cientista ao salão nobre onde se realizaria a conferência.

Recebido em meio de uma prolongada salva de palmas, o professor Einstein ocupou lugar na mesa ao lado do presidente, tendo rememorado este em ligeiras palavras a sua vinda a esta capital e apresentado aos presentes o ilustre conferencista.

O professor Einstein ocupou, durante cerca de uma hora, a tribuna, junto a qual se encontrava um quadro-negro, em que eram desenhadas figuras e escritas, fórmulas necessárias à fácil compreensão da matéria exposta. Durante o curso de sua conferência, feita em francês, demonstrou o ilustre cientista uma grande capacidade intelectual, aliada a notáveis facilidades de exposição.

O professor Einstein, na sua primeira conferência, tratou somente da primeira parte de sua exposição, dizendo que ela seria de fácil percepção para os ouvintes, que só poderiam ter dúvidas quanto à segunda. Em traços gerais procuramos, aqui, reproduzir o que trata o ilustre mestre:

Do mesmo modo que a termodinâmica estabelece, como postulado, a impossibilidade do moto-contínuo, estabelece a teoria da relatividade, como postulado, a velocidade da luz como velocidade que não pode ser ultrapassada.

Talvez que ao metafísico repugne aceitar a velocidade da luz como o limite que não pode ser ultrapassado; o físico, porém – e a teoria da relatividade é obra de físico e não de metafísico – recusa-se a trabalhar usando noções e grandezas que não sejam passíveis de medida e, assim, parece-lhes natural basear suas teorias em grandezas mensuráveis, de preferência a introduzir, arbitrariamente, grandezas fictícias sem definição física e não suscetíveis de medida.

A mecânica clássica é baseada no princípio de inércia ou de Galileu, segundo o qual um corpo que não esteja sujeito à ação de nenhuma força se move com movimento retilíneo uniforme; segundo ela não há um sistema privilegiado de referência, isto é, qualquer sistema de referência, que esteja animado, cai em relação a um outro, de um movimento uniforme, e pode servir de sistema de referência; e em relação a ele, as leis do movimento são as mesmas que em relação ao primitivo de referência. Assim, pois, de uma infinidade de sistemas, todos animados de movimento retilíneo uniforme, uns em relação aos outros, qualquer um deles pode ser tomado como de referência, não sendo nenhum deles privilegiado – é o princípio da relatividade do movimento. Em física, porém, no estudo da ótica, já a lei fundamental de propagação da luz não encontraria uma lei análoga deste principio, visto como, segundo as teorias pré-relativistas, conforme o sistema de referência escolhido, diversa seria a velocidade medida para a luz.

A teoria da relatividade consegue, entretanto, fazer desaparecer esta discordância, permitindo exprimir a lei de propagação da luz sob a mesma forma, qualquer que seja o sistema de referência, estendendo, portanto, a outras ramos da física a velocidade de propagação da mecânica clássica. Para isso, entretanto, tornou-se necessária uma revisão dos conceitos fundamentais de espaço e de tempo; se quanto ao espaço já tínhamos, claro, a seu significado relativo, quanto ao tempo admitia-se sempre, implicitamente, uma noção absoluta.

Mostra ele, então, como, por exemplo, querendo-se para a simultaneidade achar uma definição rigorosa, satisfatória sob o ponto de vista do físico, é-se conduzido à conclusão de ser este conceito de simultaneidade não absoluto, mas condicionado pelo sistema de referência; assim, dois acontecimentos julgados simultâneos num sistema de referência deixam de sê-lo, se apreciados de um outro sistema.

Se, porém, forem feitas nas coordenadas espaço-tempo de um sistema as transformações chamadas de Lorentz, que as ligam às coordenadas espaço-tempo de um outro sistema, a mesma lei, que traduz o fenômeno físico de propagação da luz no primeiro sistema, traduzirá o fenômeno no novo sistema.

 Consegue, assim, a teoria da relatividade dar a explicação do resultado negativo das experiências de Michelson e Morley, provando que o fenômeno físico da propagação da luz obedecerá à lei do movimento relativo da mecânica.

A teoria da relatividade consegue estender aos fenômenos físicos, e não só aos do campo da mecânica, o princípio da relatividade, básico para esta, permitindo traduzir a lei de um fenômeno sob a mesma forma, qualquer que seja o sistema de referência.

Constitui isto, na essência, o princípio da relatividade restrita. Este qualificativo se justifica. Por isso que, do mesmo modo que na mecânica, os sistemas de referência acima aludidos devem ter, uns em relação aos outros, simplesmente movimentos de translação uniforme.

A generalização ao caso de movimentos quaisquer dos sistemas de referência, problema muito mais árduo, é o que constitui o objeto da teoria generalizada, que constitui também o objeto da segunda conferência a se realizar na Escola Politécnica.

Terminada a conferência, foi oferecido ao professor Einstein um lunch, no qual trocaram-se brindes ao champanhe.

Nessa ocasião lhe foram oferecidas quatro medalhas de bronze cunhadas, três anos antes, para registrar as comemorações do centenário da Independência.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do ?Explicando a Teoria da Relatividade?. Consulte a homepage: www.ronaldomurao.com 

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