Aracnídeos têm importante ação biológica

Aranhas são artrópodes com 4 pares de pernas e 4 pares de olhos. No mundo todo são conhecidas mais de 40 mil espécies. A maioria é terrestre mas as poucas aquáticas respiram a partir de bolhas de ar retidas nas teias. Contrariamente à maioria dos outros animais, o macho geralmente é menor do que a fêmea cujo limite máximo é de 9 cm.

Para o fim de capturar a presa, uma aranha lança mão de vários estratégias: imobilização com o auxílio das patas e presas, injeção de toxinas através de pelos corporais e sucos digestivos e mesmo o lançamento de cuspe que atua como uma malha envolvente (Ramires, da Silva, Marques e Fontana: ?Kulkutania versus Loxosceles?, projeto financiado pelo Pronex-PR da Fundação Araucária).

Felizmente, apenas umas três dezenas de aranhas têm potência suficiente de presas para injetar venenos nos animais (perfuração da camada dérmica). Mas neste caso, os efeitos podem ser terríveis (v. Loxoscelismo). Dentre estas estão: 1. a víuva-negra (Latrodectus mactans), a qual, na mesma base de massa de veneno da fêmea, é cerca de 15 vezes mais tóxica do que a cobra cascavel. O macho é inerte. Pulso rápido, elevação da pressão, dor no peito e abdome, náusea, suadouro e salivação excessiva são os sinais deste evenenamento. Em caso extremo (crianças e velhos) pode haver sufocação mortal.

2. Aranha-marrom (Loxosceles intermedia, L. gaucho, L. laeta): a picada é praticamente indolor mas os efeitos subseqüentes nas 6 ou 8 h são terríveis. Ao eritema (vermelhidão) se segue a necrose tissular até falha renal. Há um correlação entre o hábito de vivenda da aranha (teia ou alhures) e a característica neurotóxica ou necrótica de seu veneno, respectivamente.

A maioria das aranhas contêm venenos neurotóxicos de três famílias: poliaminas de baixo peso molecular (abaixo de 1.000) , polipetídios entre p.m. de 3.000 a 10.000 e proteínas de alto p.m. (acima de 10.000) (a Biologia Molecular de venenos de Loxosceles é pesquisada pelo grupo do prof. Silvio Veiga, na UFPR).

As poliaminas atuam bloqueando as junções neuromusculares e a circulação do glitamato, causando então paralisia. São mais atuantes em insetos e menos em vertebrados.

Já os polipetídios têm como ação o bloqueio dos canais que permeiam as membranas celulares das células nervosas, causando um caos no transporte (antes ordenado) dos cátions-chave tais como sódio, potássio e cálcio (importantes na atividade do coração e outros músculos). Tais canais são mais afetados respectivamente pelas micro-toxinas das aranhas Atrax robustus e Hadronyche versutus, pela hanatoxinas de Grammastola spatulata ou tarântula-chilena) e pelas ômega-agatoxinas da aranha Agelenopsis aperta.

A partir dos achados com as delta – e ômega-atracotoxinas Ar1 e Hv1 se deduziu que todos polipetídios aracnídicos têm um detalhe estrutural comum: são três segmentos em folha beta-pregueada com nós intercadeias dados pelo aminoácido citeina .

No segmento de venenos de maior dimensão molecular, as proteínas, um modelo é a alfa-latrotoxina da víuva-negra. Outro exemplo é a enzima esfingomielinase D do veneno da aranha-marrom. O esfingolipídio esfingomielina é essencial na estruturação da membrana plasmática dos neurônios. A enzima a hidrolisa e então desestrutura a membrana biológica como um todo, disto resultando um processo muito doloroso.

Dentre as potenciais aplicações biotecnológicas para os venenos de aranha estão o biocontrole de pragas agrícolas. Exemplo é o veneno da aranha de teia funilar australiana que é específico para baratas, grilos, mosca-da-fruta e a traça Helicoverpa armigera a qual preda plantações de algodão.

No caso específico de benefícios humanos, o veneno da tarântula chilena (Grammostola spatulata) contém uma proteína designada de GsMtx-4 que controla os canais iônicos do músculo cardíaco e que potencialmente poderia atuar como uma espécie de marca-passo para coordenar o correto batimento cardíaco prevenindo a fibrilação atrial, atualmente corrigida pelo desfribrilador eletro-mecânico ou seja aliviando a contração atrial e elevando a deprimida alimentação dos ventrículos.

No caso de ?derrame? (AVC, Acidente Vascular Cerebral), há uma excessiva perda do neurotransmissor glutamato, o que implica em morte celular nas vizinhanças tissulares do acidente vascular. Outra aranha de teia funicular, Holena curta, produz uma proteína HF-7 que bloqueia receptores e previne a formação de glutamato. Tal proteína-remédio poderia então limitar os danos cerebrais e as tão comuns paralisias dali decorrentes.

Ref.: Escoubas, P., Diochot, S. and Corzo, G. Structure and pharmacology of spider venom neurotoxins. Biochimie, 2000, 82 (9-10) 893-907.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito na UFPR, pesquisador 1A do CNPq e coordenador geral do projeto Pronex-PR ?Loxosceles? (2004-2006).

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