Mulheres são exemplos contra o preconceito

O anúncio da união da cantora Daniela Mercury com a jornalista Malu Verçosa, em abril deste ano, teve muita repercussão no Brasil inteiro. Além de envolver uma mulher famosa e reconhecida em todo o país, o comunicado aconteceu em meio a muita discussão sobre a homossexualidade, principalmente pelo fato de o deputado federal Pastor Marco Feliciano (PSC/SP) presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em Brasília, o que causou polêmica entre diversos movimentos sociais.

Agora, o assunto deve voltar à tona, pois neste mês de agosto, há duas datas comemorativas relacionadas: o Dia do Orgulho Lésbico (19) e o Dia da Visibilidade Lésbica (29). Em entrevista para a revista TPM, publicada em junho, Daniela conta que não era possível prever que o anúncio sobre o relacionamento se tornaria um tema nacional. “Mas foi um ato amoroso que emocionou as pessoas”, declarou. “E estimulou muitas pessoas a se posicionarem, primeiro dentro de casa, pra família, pros pais, pros irmãos”, afirmou Malu, também em entrevista à revista.

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Jogadoras de vôlei de praia também assumiram o romance.

Toda a polêmica em torno de Daniela Mercury trouxe ainda mais impacto à discussão sobre como a sociedade encara os relacionamentos homossexuais. “Anúncios como o da Daniela Mercury não tornam a mulher lésbica, mas ajudam na coragem em assumir”, comenta Toni Reis, diretor executivo do Grupo Dignidade, organização não-governamental voltada para a promoção da cidadania LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).

Recentemente, outras mulheres que também aparecem nas revistas, jornais e programas de televisão publicaram fotos de seus casamentos. A cantora Ellen Oléria, vencedora da primeira edição do programa The Voice Brasil, mostrou as imagens da cerimônia de casamento com a assessora de imprensa Poliana Martins. As jogadoras de vôlei de praia Larissa França e Lili Maestrini também se casaram neste mês, em uma cerimônia em Fortaleza. Elas assumiram o relacionamento em julho deste ano.

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Ellen Oléria e Poliana.

O relacionamento entre duas mulheres também tem aparecido mais em obras ficcionais do cinema e da televisão com mais frequência. Em cartaz em Curitiba neste mês, o filme Flores Raras (2012) mostra a história de amor da arquiteta Lota de Macedo Soares (Glória Pires) com a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop (Mirando Otto), baseada em fatos reais. Há dois anos, a novela Amor e Revolução, do SBT, também mostrou a história de um casal de mulheres, Marcela (Luciana Vendramini) e Marina (Gisele Tigre), incluindo o primeiro beijo entre mulheres na televisão brasileira.

Para Toni Reis, já houve uma evolução nos últimos anos na maneira como a sociedade encara os relacionamentos entre mulheres. No entanto, ainda há muitas barreiras. “A mulher sofre uma dupla discriminação. Primeiro, por ser mulher, porque ainda somos uma sociedade machista. Existe a questão de gênero e depois a sexual, que se somam”, analisa.

Ainda é difícil assumir

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Filme conta história real.

Apesar dos avanços, muitas mulheres ainda temem em revelar seus relacionamentos. Esta dificuldade é sentida todos os dias por estas mulheres, que querem apenas viver sua história de amor com a companheira. Viviane (nome fictício), de 26 anos, namora há sete, anos. A primeira dificuldade foi lidar com a mãe, que não aceitou o fato de a filha namorar outra menina, que na época tinha 16 anos. Ela até pediu que a filha fosse morar com o irmão em outra cidade. Depois de oito meses, Viviane recebeu a visita da mãe, que disse que a amava do jeito que ela era e pediu que voltasse para casa.

Esta barreira foi superada, mas Viviane ainda precisa lidar com outras dificuldades. Há cerca de cinco meses, ela estava com a namorada em uma festa em um camarote dentro de uma casa noturna. Ao lado, estavam cinco casais heterossexuais. “Em determinado momento da festa, todas as mulheres saíram do camarote do lado. Só ficaram os homens. Eu estava com a mão na cintura da minha namorada. Um dos homens bateu no meu braço e falou: ‘Deixa a morena aí pra nós’. Eu olhei com cara feia, mas não respondi. Quando ele encostou no meu braço de novo e passou a mão na minha namorada, eu perdi a cabeça diante de uma falta de respeito tão grande. Comecei a xingá-lo e a minha namorada pedia para eu parar”, lembra.

Mas toda a situação foi apaziguada por uma pessoa próxima. “Uma prima da minha namorada, que nunca tinha se manifestado a favor ou contra o nosso relacionamento, deu um baita sermão no cara. Foi uma situação de dois extremos, um homem sendo machista e preconceituoso, e uma pessoa da nossa família nos defendendo com unhas e dentes”, comenta.

Andréia (nome fictício), de 22 anos, sempre manteve seus namoros escondidos. Pais e irmãos sabem sobre a sua orientação sexual, mas o restante da família nem imagina que ela se relaciona com mulheres. “Minha última namorada tinha mais problemas com a família do que eu. Ela escondia até da mãe”, relata. Para Andréia, a maior dificuldade ainda está com a reação das outras pessoas. “Nunca sofri nenhum assédio ou violência em público, mas isso porque eu também não tenho muita coragem de fazer nada”, declara.

Para ela, iniciativas como a de Daniela Mercury, em assumir um relacionamento publicamente, ajudam na batalha contra o preconceito. “Ela ser famosa (e, principalmente, ser ‘feminina’) faz muita diferença, mas não deixa de ser complicado mostrar sua cara assim e assumir a homossexualidade. De qualquer forma, eu acho importante. Quanto mais ídolos nossos se assumirem, mais as pessoas vão aprender a encarar com naturalidade”, avalia.

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Novela mostrou até beijo de mulheres.