Decisão de Angelina Jolie foi muito difícil

Recentemente, a atriz norte-americana Angelina Jolie anunciou ter se submetido a uma mastectomia preventiva dupla depois que um exame genético acusou 87% de chance de ela desenvolver câncer de mama, doença que matou sua mãe. De acordo com previsões do Instituto Nacional do Câncer (Inca), pelo menos 52 mil pessoas seriam diagnosticadas com a doença no Brasil entre 2012 e 2013. Os dados brasileiros refletem ainda uma realidade mundial: o câncer de mama é o segundo tipo mais frequente desta doença em estatísticas internacionais.

Mesmo sendo bastante comum, não há como saber se a atriz chegaria a desenvolvê-lo apesar do resultado do exame. No entanto, com o respaldo médico, ela optou por retirar as mamas, que logo foram reconstruídas. Mas essa não é a realidade de muitas mulheres, que, às vezes, não têm como arcar com um plano de saúde e ficam na fila de espera para reconstruir as mamas.

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Segundo o mastologista Fábio Mansani, presidente da regional paranaense da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), a cirurgia de retirada de mama afeta diretamente a feminilidade e a autoestima. Este foi o caso da diarista Luciane Preste de Lima, 42 anos, que luta contra um tumor pela terceira vez. Ela já tinha perdido uma filha pequena, também com câncer, e começou sua luta pessoal contra a doença em 2000.

Mesmo sem o fator hereditário na família, Luciane teve o primeiro câncer aos 29 anos. Isso é explicado porque agentes químicos ou biológicos também podem causar um dano no genoma, proporcionando a mutação dos genes. “Nestes casos trata-se de um fator externo que incitou a enfermidade”, explica a oncologista Walkiria Tamelini, do Hospital e Maternidade São Cristóvão, de São Paulo. Desde então, já fez quimio e radioterapia e passou pela cirurgia de retirada de mama.

Desanimada, Luciane conta que sua vida mudou radicalmente depois da doença. “Eu trabalhava como diarista autônoma e não contribuía para a previdência. Agora, estou incapacitada. Estou em casa, sem cabelo, sem peito, sem serviço e sem nenhum benefício”, lamenta. Ela está na fila de espera para fazer a reconstrução da mama, mas a cirurgia será realizada só no que vem. Enquanto isso, sai de casa apenas quando é obrigada porque só de pensar em sair, tem crises de pânico.

Olhar no espelho é algo que Luciane evita. “Minha cicatriz ficou muito feia. Uso roupas largas para esconder. Muita gente me fala para olhar o lado bom, que eu estou viva, mas eu sou mulher e não é fácil”, lamenta Luciane. Depois da cirurgia, Luciane espera voltar a trabalhar e se aceitar novamente. “Quero me olhar no espelho e não ter vergonha. A atriz tem dinheiro e não arrancou o mamilo. Ela simplesmente abriu a pele e retirou as glândulas mamárias. Ficou perfeita com o silicone”.

Aspectos psicológicos

A psicóloga e psicanalista Débora Patrícia Nemer Pinheiro, professora da Universidade Positivo(UP), explica a noção que cada mulher tem do próprio corpo implica numa determinada reação após o procedimento cirúrgico. “Se uma mulher valorizar seus seios como a representação da sua feminilidade, então haverá maior probabilidade para esta mulher sofrer ou adoecer psiquicamente após o procedimento cirúrgico”, exemplifica. A doença ainda pode desencadear quadros de depressão.

Por isso, é importante que a mulher retorne o quanto antes à rotina normal de trabalho e ao convívio com família e amigos. “As relações com o outro e com o trabalho s,ão duas maiores áreas de investimento de interesse, de energia vital”. E, durante o tratamento, a especialista lembra que é importante para a paciente criar um vínculo de confiança, seja com um terapeuta ou mesmo uma pessoa que tenha passado pela mesma experiência, para poder compartilhar as angústias.

Investigando o histórico genético

O caso de Luciane chamou a atenção de um geneticista do hospital Erasto Gaertner, que decidiu estudar o DNA dela e o dos filhos. Assim, eles vão saber que doenças podem desenvolver. Em Curitiba, já é possível realizar o exame genético, que ainda não é coberto pelo SUS e convênios particulares. O valor é salgado para a maioria das pessoas: custa de R$ 1.500 a R$ 6.500. O mais caro é aquele realizado pela atriz.

O bioquímico Marcos Kozlowski, diretor responsável do Laboratório de Análises Clínicas (Lanac), lembra que é preciso de requisição médica para se submeter aos testes, realizados a partir de células da mucosa bucal. “Os exames não revelam se a pessoa terá ou não determinada doença, mas se ela tem chance de desenvolvê-la. Assim, pessoas mais predispostas a patologias podem adotar medidas preventivas”, explica.

Para o mastologista Cícero Urban, do Hospital Santa Cruz e professor das universidades Católica do Paraná (PUC) e Positivo, o exame genético é indicado a pacientes de alto risco, com histórico familiar. “O teste que a atriz fez é específico para mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, mas a maior parte dos doentes tem mutações desconhecidas. E para os tumores ditos esporádicos não existe um teste que pode identificar”, avalia.

Segundo ele, apenas uma baixíssima porcentagem da população (2%) tem mutação nesses dois genes. Neste caso, o tumor é difícil de ser diagnosticado em fase precoce, e, por isso, é recomendável a cirurgia. Quem tem mutação nesses genes, também deve retirar os ovários. A atriz, inclusive já teria marcado essa nova cirurgia. Urban lembra que a cirurgia deve ser feita somente com recomendação médica, indicada a partir do diagnóstico e do grupo de risco à qual a paciente pertence.

“A atitude da atriz foi correta pelo fato de ela ter o fator hereditário e ser portadora das mesmas mutações. O câncer nesse caso é muito agressivo e a chance de cura é menor”, defende. O mastologista Fábio Mansani observa, entretanto, que o caso de cada paciente deve ser avaliado de forma individualizada. “A cirurgia deve ser muito bem discutida, porque é acompanhada de várias alterações na mama e riscos inerentes ao procedimento cirúrgico. Ela é complicada, de risco e pode deixar sequelas pós-operatórias”, explica.

Mansani conta que há casos em que a cirurgia não é obrigatória em pacientes que detectam precocemente o tumor. “Discutimos outras opções, como a quimioprevenção (tratamento para mulheres que apresentam predisposição à doença). As chances de cura de tumores iniciais são de 95%. Até para os mais agressivos conseguimos índices elevados de cura”, afirma.

Marco Charnski
Urban: Exame para pacientes de alto risco.
Marco Charnski
Kozlowski: Testes justificam prevenção.
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